20 fevereiro, 2007


«Ciência sem religião é capenga.
Religião sem ciência é cega.»

Albert Einstein

«A fé é a esperança infundada
na ocorrência do improvável»

Henry Louis Mencken

«Se você fala com Deus, você está rezando.
Se Deus fala com você, você está maluco»

Ditado Popular

O tema deste mês no Roda de Ciência é um pouco delicado para mim: eu não só sou religioso, como pratico uma religião particularmente discutível, a Umbanda.

(leia mais aqui)

16 comentários:

Maria Guimarães disse...

joão carlos, adorei a sua perspectiva! estava faltando opinião de alguém com ambas as visões.

(me lembrei do documentário "Santo forte", você já viu? é lindo, mostra a penetração da umbanda no brasil)

concordo completamente com você. eu, pessoalmente, não sou religiosa - no sentido de que não incluo no meu dia-a-dia nenhum pressuposto sobre existência ou não de um ou mais deuses. mas escuto com atenção o que um padre, um pai-de-santo, um rabino etc tenha a dizer. porque podem ter uma visão diferente, mais espiritual, da vida e das pessoas, que pode ter muito a acrescentar a um olhar mais materialista.

crença é questão de foro íntimo, acho que ninguém devia ocupar seu tempo em provar existência ou não de divindade(s).

como diria nosso sumido daniel: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. por isso tudo, obrigada pela sua contribuição a esta discussão.

João Carlos disse...

Obrigado, Maria! Concordo em gênero, número, grau, caso e declinação quando você diz: crença é questão de foro íntimo, acho que ninguém devia ocupar seu tempo em provar existência ou não de divindade(s).

Temos tantas questões mais práticas e urgentes para empregar o tempo e os recursos (ambos escassos) de pesquisas - e o que é melhor: em coisas experimentalmente verificáveis - que chegaria a ser cômico, se não fosse sério, esse bate-boca bizantino.

O verdadeiro embate não está entre ciência e religião: está entre ciência e obscurantismo travestido de religião.

Kynismós! disse...

Boa, enquanto a religião não atrapalhe a ciência está tudo bem.
Só não entendi a citação do Efeito Mpemba.

João Carlos disse...

O Efeito Mpemba é um fato experimental - do tipo contra-intuitivo - que, até hoje, não tem uma explicação física. Um "prato cheio" para os místicos de plantão...

Até o início do século passado, o Movimento Browniano era objeto de muitas especulações, inclusive as místicas.

É de um ridículo a toda prova, mas eu já vi um compêndio que afirma que os espíritos vivem em um mundo de antimatéria... ('Tadinhos dos médiuns... na primeira incorporação seriam aniquilados, eles e os espíritos...)

Pior: tem gente que leva isso a sério.

Daniel Doro Ferrante disse...

Oi João,

Só pra constar: a Wikipedia em inglês tem um artigo para esse efeito com referências bem interessantes: Mpemba effect.

O grande 'truque' nisso tudo, além das referências que aparecem nesse link, é quando o cara menciona que o número de condições necessárias pra se determinar completamente as soluções das Equações Diferenciais Parciais é muito alto, portanto, virtualmente tornam o problema analiticamente "insolúvel"; ie, tipicamente um problema "experimental", aonde vc tem que ir pro lab e medir TUDO que for possível antes de inferir qualquer coisa.

Esse tipo de situação é bem mais comum do que pode parecer a primeira vista... aliás, é desse tipo de cenário que nascem expressões como "a teoria, na prática, é outra". Não tem nada a ver: Se a gente soubesse determinar TODOS os parâmetros envolvidos na análise [caótica] das equações em questão, CERTAMENTE resolveríamos o problema analiticamente. Pra dar um exemplo concreto: "Lattice QCD", ie, a simulação da Cromodinâmica Quântica (teoria dos quarks, das forças forte e fraca) em computadores. Podem berrar e espernear, esse é um dos problemas mais difíceis computacionalmente falando, senão O mais difícil. Tanto que as técnicas (desde códigos e algoritmos até hardware computacional) utilizadas para Lattice QCD são copiadas por TODAS as outras áreas cuja simulação também é dolorosa, como "Protein Folding" (enovelamento de proteínas) e Previsão Climática ("Climate Research").

Agora, se o bixo é tão feio assim com Lattice QCD, que pode ser medida experimentalmente dentro dum laboratório... será que dá pra imaginar o que acontece com sistemas como o Clima da Terra (e o famigerado Aquecimento Global)?!!!

Eu já perdi a conta de quantos programas eu já otimizei aqui para meus colegas que trabalham nesse problema! Aliás, semana passada mesmo: eu peguei um programa que estava levando dias pra rodar... e o otimizei em pouco mais de 350%! Tem muito angu por detrás desses caroços... ;-) Desde as dificuldades naturais do problema (que não são poucas, como o número de parâmetros necessários pra se determinar o comportamento caótico das Equações Diferenciais Parciais em questão), até o programa escrito para simular o efeito (que é uma obra de arte -- é muito punk escrever código BOM).

Mas, já estou começando a viajar demais... :-)


ABRAÇÃO!!! []'s!

Daniel Doro Ferrante disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Carlos disse...

Salve, Professor! (Andava sumido, heim?...)

Eu preferi deixar o link para a WikiPedia em português em benefício daquele leitor eventual deste Blog que não seja fluente em inglês (realmente o artigo em inglês é muito mais completo).

Você trouxe um exemplo muito bom para ilustrar o que eu estava tentando dizer: Lattice QCD.

Vai um leigo semi-instruído (como eu, por exemplo), pega em meia dúzia de conceitos difíceis de entender para quem não é do ramo, interpreta de acordo com suas convicções religiosas e zás!... Lá vem mais uma "prova" de Intelligent Design, ou da manifestação de tal ou qual Orixá...

Nos grupos de discussão de Macumba, eu costumo dizer que a Física de Altas Energias, em matéria de "esoterismo", já deixou a macumba no chinelo, há muito tempo... :)

Osame Kinouchi disse...

João, espiritos de anti-materia? Eu já tinha ouvido falar sobre espiritos feitos de neutrinos.
Agora, eu aposto com voces que dentro de poucos anos teremos espiritos feitos de energia escura.
Isso tudo é materialismo barato. Espirito que é bom mesmo, é feito de pura informação... assim como nossas consciências.

João Carlos disse...

Salve, Osame!

É... neutrinos seriam mais "parecidos" com "espíritos" (não fica dando idéia a quem não tem!...:) ) Essa sua idéia de "informação pura" é muito próxima do conceito buddhista, que é o que mais me parece lógico.

Mas - como minha própria experiência parece me mostrar - nossa lógica e nossa matemática não se aplicam aos ditos "fenômenos espirituais", cuja discussão não vem ao caso: como frisou bem a Maria, é questão de foro íntimo - certamente, não é ciência!

Daniel Doro Ferrante disse...

Oi Osame,

Antes de começarmos a expor nossas crenças pessoais -- que a Maria foi tão feliz em notar que são de foro íntimo --, eu acho que é preciso um pouco de parcimônia: Veja, por exemplo, a resenha A New Journey into Hofstadter's Mind sobre o novo livro do Douglas R. Hofstadter, I Am a Strange Loop.

Não podemos NUNCA nos esquecer que o ser humano é uma "maquininha" de reconhecer padrões, o cérebro é construído evolucionariamente para achar padrões... mas, como tudo na vida, sempre há problemas: Apophenia.

Eu poderia por aqui o mesmo comentário que já pus no post do Adilson...


[]'s.

João Carlos disse...

Lembrou bem a "Apophenia"... e eu posso retrucar com Stochastic... You know: God is not malicious... ;)

Osame Kinouchi disse...

Bom, como dizem, "Criatividade é capacidade de enxergar relações onde elas nao existem..."
É uma frase ironica, mas na verdade está correta. Se apenas enxergamos relacoes que existem, estamos descobrindo, nao inventando ou criando. É quando enxergamos e planejamos (com os olhos do desejo) algo que ainda nao existe (como um jardim onde existe apenas um deserto) é que podemos sair e criar algo.
Exemplo pedestre: voce (por pura apophenia) pensa que aquela gata da sua colega esta te mandando sinais de interesse (ela na verdade nao esta, de maneira nenhuma). Entao, graças a sua apophenia, voce a aborda, convida para tomar cafe, essas coisas. Meses depois voce esta casado com ela, e ela está apaixonadissima. De onde veio o amor? Existia antes da apophenia? Claro que nao. A apophenia cria mundos, nao apenas os descobre. Na matematica, e mesmo na física de modelos, criar novos mundos é essencial. Assim, quem policia demais a sua apophenia condena-se a se tornar um cientista menor, um descobridor mas nao um criador... ;-)

Daniel Doro Ferrante disse...

Oi João, Osame,

Antes de começar, vou relembrar que Apophenia significa encontrar "padrões" aonde eles estatisticamente não existem. Se eu fosse puxar um martelo mais 'Thor', abriria mão da Teoria da Probabilidade e diria que Apophenia consiste daqueles "padrões" com medida nula.

Não há muito espaço pra discussões aqui, principalmente para citações do cancioneiro popular: A definição [de Apophenia] é bem clara, assim como a definição do trabalho científico criativo.

Particularmente, o ditado que eu conheço é o seguinte: Criatividade é a capacidade de se enxergar o quê não existe... ;-) Suficientemente diferente da frase citada acima para limpá-la de possíveis conotações "estatísticas" ou "de busca de padrões".

Portanto, quem policia sua apophenia está evitando se tornar psicótico.

Não vamos, agora, ter que começar a regurgitar toda a história da Ciência (que eu acredito que muitos já conheçam), da Física e da Matemática em particular, para mostrar que os padrões de criatividade (tanto nas 'revoluções' científicas, quanto nas 'evoluções' científicas) estão BEM distantes de serem "completa e radicalmente" diferentes dos paradigmas anteriores e, portanto, passíveis de serem classificados como "apophenia".

Esses devaneios e anseios das nossas almas não passam da 'histórias da carochinha'... extremamente mal contadas e romantizadas, como a da Branca de Neve. A realidade, mesmo quando ativamente construída por nós, é BEM diferente...

[]'s.

João Carlos disse...

Ooops!... O tom já subiu demais e eu me sinto culpado por isso.

Vamos procurar nos ater ao tema que, pelo que eu entendi é se há uma real incompatibilidade entre ciência e religião.

De gustibus et colores non est disputandum (se é que meu latinório está correto...

Resumindo: a ciência lida com fatos; a religão (ou ausência dela) lida com opiniões. E as opiniões acerca dos fatos são uma questão de referencial...

Kynismós! disse...

"Vamos procurar nos ater ao tema que, pelo que eu entendi é se há uma real incompatibilidade entre ciência e religião."
Ué, não é óbvio que em alguns casos pode haver?
A religião enquanto crença individual, desde que não prejudique a vida humana, é algo aceitável (Freud explica). Mas a partir do momento que a religião tenta impor suas verdades, baseadas apenas na fé, sobre a ciência (criacionismo, etc.) ela torna-se uma coisa bestial.
A ciência, como você disse, lida com fatos, se com o tempo a ciência naturalmente chegar as "verdades" da religião, muito bom, se não, há alguém por aqui preocupado com isso?
Ok, sei que pode haver, muita gente (muita mesmo) tem uma esperança de algo após a morte e a ciência não nos dá nenhuma esperança a esse respeito. Pior, chega-se a detestar quem não tem esse tipo de sentimento.

"Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil - e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos." (Albert Einstein)

Adilson J A de Oliveira disse...

Caro Kynismós! você fez uma leitura, ao meu ver muito boa da discussão do tema, ou seja, se a ciência um dia mostrar que "as verdades" da religião são de fato verdades (ou mentiras) não podemos ficar preocupados com isso. A ciência é apenas um modelo para explicar a natureza que tentar ser o mais próximo da realidade.