15 dezembro, 2006

Akamai

Dia desses li num jornal havaiano:

"Vastly improved maps and global positioning systems make it easier to figure out what the risks might be, and people are now "way more akamai about at least assessing" where they are in relation to the rift zone, he said."

Akamai. Tenho certeza que a palavra deixa mesmo aqueles que têm vivência da língua inglesa com dúvidas. Afinal, o que é "akamai" nesse contexto? Está num jornal de circulação razoável dos EUA, um veículo de informação que requer um tratamento jornalístico claro da língua. Entretanto, o uso de um termo 100% havaiano já nos mostra que mesmo onde a clareza deve ser lei, a realidade local fala muito alto.

(Leia o resto aqui.)

19 comentários:

João Carlos disse...

E eu sou um que ficou na mesma quando leu o "akamai" (e eu fui tradutor técnico!...) Bom, já tínhamos os "Wiki", também do havaiano, Linux "Ubuntu" e outras curiosidades (bem melhores do que os germanismos tão comuns em psicologia, química e física que dão aquelas palavras impronunciáveis) e expressões em latim pronunciado em inglês (eu odeio expressôes como "mídia", "deita", "zírocs" e coisas assim).

É um dos problemas que eu pretendo abordar: existem termos, em um determinado idioma que expressam toda uma idéia complexa e não têm tradução em outras línguas, como. por exemplo, o português "saudade". Assim como existem termos técnicos que encerram um significado todo particular e que exigem todo um conhecimento anterior.

O grande problema continua sendo: como transmitir essas idéias para o público, sem cometer pequenas "heresias" (comuns em publicações como o Boletim Physics News Update que eu traduzo e publico no meu Blog) tais como falar em "moléculas Fermiônicas", ou se tornar absolutamente hermético, como o texto que a Lúcia transcreveu?

A "liberade de manobra" do idioma inglês costuma ser um empecilho a mais... E certas traduções consagradas (tais como o termo topológico "manyfold" por "variedade" em português, são de uma pobreza de espírito assustadora...) E deixem eu parar por aqui, senão, lá se vai meu artigo...

Lucia Malla disse...

Eu acho, joão, q dá até para cometer algumas "heresias", mas q elas sejam fluidas, entende? Q haja uma explicação sólida, q não deixem o leitor boiando. As "heresias" podem ser colocadas desde q enriqueça o texto para o leitor, não só para quem escreve.

Lucia Malla disse...

corrigindo: "...enriqueçaM o texto..."

Maria Guimarães disse...

muitas vezes o termo técnico parece essencial, mas se a gente escrever em língua cotidiana e olhar de longe, vê que no fundo nada se perdeu do conteúdo. mas para o pesquisador, muitas vezes é impossível dar esse passo atrás e olhar de longe...
o duro é quando o tal cientifiquês entra no vocabulário básico da pessoa. eu, que falo etologuês ou algo que o valha, costumo usar palavras - dizer que alguém está territorial ou conspícuo, por exemplo - que causam sorrisos nos interlocutores.
num papo informal tudo bem, a gente acaba se entendendo - se estiver atento à possibilidade de descomunicação. mas ao escrever para um público diverso, preciso de vigilância constante. não é fácil...

Osame Kinouchi disse...

Bom, acho que os problemas existem principalmente quando aparece um termo que corresponde a um conceito, ou seja, todo um constructo com longa historia, ramificacoes e relações. Por exemplo, eu posso falar de ponto spinodal de uma transição de fase de primeira ordem e tentar relacionar isso com um liquido superresfriado (um, superresfriado também é termo técnico!), dai eu parto para o exemplo cotidiano da garrafa de cerveja no refrigerador que congela subitamente quando vc a perturba (por exemplo, pegando-a com a mao). Bom, me parece que o uso de analogias e exemplos do cotidiano é essencial para a divulgação, mesmo quando o rigor do conceito se perde. O pior é quando termos técnicos tem outro sentido para os leigos, por exemplo "caos", "probabilidade" ou ou "energia".

Silvia Cléa disse...

É exatamente a isso que devemos voltar nossos olhares mais atentos, acredito eu. Que os termos técnicos e os conceitos científicos devem ser explicados, não há dúvida; mas e o mau uso deles? Entenda-se o juizo de valor, porque o 'seu' significado primordial foi disvirtuado...E aquela historinha que a língua é viva e, portanto mutante? Seus significados então mudam com o tempo! Negar tal processo é assumir um sectarismo absurdo, que vai de encontro a tudo que se vê discutido e apresentado como modernidade, em termos linguísticos.
É, amigos, pelo visto vamos ter que sambar miudinho, tentando evitar o uso genérico de termos dúbios, pontuando, sempre que possível o que realmente queremos dizer...

Osame Kinouchi disse...

Acho que a Lúcia, no blog dela, falou que o importante para o jornalismo cientifico não é tanto esclarecer a descoberta cientifica enquanto conhecimento, mas sim discutir suas implicações e impactos tecnologicos ou sociais. Concordo em parte, porque para mim a confusão entre ciencia e tecnologia é a mesma que entre artes plasticas e outdoors. Embora outdoors possam ser artisticos, e temos também os quadros de sopas Campbell de Andy Wahol, e toda a discussão sobre fusão pos-moderna entre alta cultura e industria cultural, os objetivos são diferentes.
Ou seja, sou meio desconfiado da visão utilitarista da ciencia, tanto de direita (a ciencia precisa ser aplicada para aumentar a eficiencia economica do pais - mas na verdade, se gerarem realmente patentes uteis , acabarao sendo compradas por multinacionais ) quanto de esquerda (a ciencia precisa ser aplicada aos urgentes problemas sociais do pais). Me parece o mesmo problema de exigir que os filmes financiados pelo governo tenham relevancia social (realismo socialista tupiniquim), que deu a mair discussão anos atrás.
Talvez seja diferença de perspectiva: quando penso em ciencia, penso em paleontologia, arqueologia, cosmologia, fisica teorica, matematica, biologia evolucionaria etc. Por exemplo, 90% das áreas em fisica não são aplicáveis em termos tecnológicos ou sociais, e imagino que a mesma taxa se dê na biologia e nas ciencias humanas... Por outro lado, também precisamos evitar que a divulgação cientifica de ciencia básica se transforme (já se transformou?) em produção de artigos de consumo da industria cultural (revistas, programas de tv etc). Argh! Acho que estamos num mato sem cachorro...

Daniel Doro Ferrante disse...

Osame,

Essa discussão tá boa... e eu já queria ter dado uns "pitacos" antes... mas ando absolutamente sem tempo nem de respirar... apesar que, agora que meu servidor decidiu que vai jogar no meu time, acho que vou ter tempo de dar uma engasgada... ;-)

Então, como tem muito que ser escrito -- ou, pelo menos, tem muito na minha cabeça -- vou colocar as idéias tentando conectá-las o máximo possível... mas não prometo sucesso. :-)

˙ O mundo, independentemente do que pensamos ou não, do que idealizamos ou não, é um bixo "estatístico": A distribuição de pessoas (com seus gostos, opiniões, escolhas, sabedorias, etc -- ou seja, com sua humanidade única) é estatística ("Gaussian, if you will"). Então, o sonho "messiânico de libertação" ou pelo proletário ou pelo "povo", é muitíssimo pouco concretizável. Pela seguinte razão: É muito complicado de se conseguir uma massa crítica popular que trabalhe para um bem comum. As idéias vulgarmente chamadas de "esquerda" no Brasil não poderiam estar mais distante da realidade: não só porque já foram ultrapassadas há mais de 50 anos mas também porque têm pouco "contato" com a população em geral. Prova cabal disso são os escândalos políticos brasileiros e a "mobilização" da sociedade, quer seja na forma de "mídia" (rádio, TV, jornal) quer seja na forma "popular" de passeatas, greves, ou quaisquer outras manifestações de descontento e desgosto com Mensalões, Mensalinhos, Cuecas Milionárias, Aumentos Salariais Abusivos de 90%, etc... isso pra não falar das Mortes e Assassinatos de Prefeitos, Testemunhas e afins. Até aonde eu conheço, são MUITO poucos lugares no Mundo que "comportam" esse tipo de 'pancadaria social'. O marasmo social brasileiro NÃO é falta de comida no prato... senão, em época de Copa do Mundo (ou de Corinthians × Palmeiras, ou Fla/Flu, etc) não haveria tamanha sincronia e harmonia popular. A falta de atitude brasileira tem nome BEM claro e já foi identificada há muito tempo atrás... é falta de "Nação": O Brasileiro não se sente "dono" de seu país. Para ilustrar melhor esse meu ponto, vale a pena dar uma lida carinhosa no livro On Revolution.

É preciso entender-se, duma vez por todas, que se a um determinado conjunto de pessoas (em qualquer situação sócio-econômica) forem dadas "condições ideais" para sua "evolução" (quer essa seja econômica, quer seja educacional, etc), cada um desses indivíduos vai fazer uma escolha pessoal e, muito provavelmente, DIFERENTE das outras! Ou seja, a idéia de que se pode salvar um povo dando-lhes "condições ideais" é, no mínimo, uma idealização sem pé-nem-cabeça... muito pior do que "vacas esféricas" (pra usar uma piadinha de Físico). Ou vc inerentemente dá liberdade de escolha para o povo, ou vc impõem alguma coisa: é preciso se escolher. Porque, a partir do momento que se escolhe "impor" alguma coisa, NÃO importa o quê seja... é uma IMPOSIÇÃO -- e, portanto, deixa de ser "escolha"... algo bem na linha do parco entendimento que se tem de democracia na forma de "tirania da maioria"; o que é muito diferente do conceito real de democracia, aonde sempre existem canais abertos para que as diversas minorias possam se expressar.

˙ Portanto, politizar a ciência é, no mínimo, instrumento de poder -- apesar de que nós deveríamos saber disso muito bem; vide Homo Academicus. É claro e absolutamente óbvio que, enquanto seres Humanos, corremos sempre o risco de "politizarmos" tudo... mas, Ciência é uma das poucas construções humanas que transcende... e, portanto, tem que ser usada como "Ferramenta Humanista". Ou seja: Vc TEM que educar a população (ie, aquela parcela da população que ESCOLHE ser educada) porque esse é o ÚNICO caminho possível de se garantir qualquer forma de "futuro". A "Ciência" é uma das poucas construções humanas que transcende as barreiras nacionais, culturais, sócio-econômicas e, de fato, põem todos nós no mesmo barco: O barco da ignorância; da luta contra nossa ignorância. E, bem ou mal, essa é uma das poucas construções humanas que tem tido uma evolução contínua, aonde aquilo que acontece no momento '1' é pré-requisito praquilo que acontece no momento '2' e assim por diante -- ie, não é possível acontecer aquilo que toda sucessão presidencial brasileira faz: Desmonta tudo e começa de novo, do zero! Se formor começar de novo, do zero (!), nunca teremos Ciência... quiça tecnologia!

Talvez isso não passe duma simplória e ingênua expressão humanista da minha parte... mas, pelo que eu tenho visto do resto do mundo (nos meus amigos, na TV, na Internet), esse é o único caminho verdadeiramente "livre".

˙ É simplista demais dizer que a "visão da Direita de Ciência" é "utilitarista", enquanto que a "visão da Esquerda de Ciência" é "benefícios sociais": Isso simplesmente NÃO existe. Por uma razão absolutamente simples: A divisão [pseudo-]classissista em "Direita × Esquerda" já NÃO existe há tempos... MUITOS tempos... só esqueceram de avisar isso pro Brasil... "I don't think we got that memo." :-( Quer exemplos concretos disso? Então, pra vc não achar que eu estou "poluído" pelas idéias do "Tio Sam", me faça um favor: Olhe pra Europa! Mais especificamente, olhe pra França. E, depois, me conta o que vai acontecer com o barril-de-pólvora racial que eles têm em mãos. Ditto para Portugal e Espanha. Aliás, o Mercado Comum Europeu só faz ajudar esse meu argumento: Vc já se perguntou o porquê da Turquia ainda não ter entrado nessa? Ou, melhor ainda, pensa no que vai acontecer com o "mercado" europeu quando o protecionismo econômico deles for arrombado por mão-de-obra barata! Aí é que nós vamos voltar a conversar... e ver o quão "sólidos", concretos e robustos são os ideias humanistas. O melhor e o máximo que podemos fazer é lutarmos por uma sociedade civil, pró-ativa, que luta por aquilo que acha "justo" e eticamente correto. E isso começa dentro de casa, dentro da família de cada um de nós: Afinal de contas, se não conseguimos nem fazer com que nossa própria família tenha um comportamento harmonioso, como é que podemos querer isso dos outros?

˙ A tal da "Democracia Digital" ainda tem muito futuro pela frente... a Globalização e a Internet nunca pensaram que iriam acabar fundidas num "treco" chamdo "Democracia Digital". Um lugar virtual aonde tem havido muita efervescência, pra dizer o mínimo. E, pra mim, é bem aqui que se encaixam esforços como o nosso Roda: Esse é um espaço cívico de exercício da democracia digital. Clica e lê o Roda quem quer, comenta quem quer... mas, mais importante do que tudo isso é que podemos, até sem estarmos ciente disso (!), formar uma comunidade bastante ativa ao redor das nossas IDÉIAS! Pra dar um exemplo bem concreto disso: (1) A comunidade moderada de Física do Orkut; e (2) Meu blog.

Em (1), essa semana passou, sofremos um "ataque"; ou melhor, o Orkut sofreu um ataque: Como ele é programado em "Microsoft" (ASP), o Orkut ainda era sensível a um ataque de XML-RPC (ao contrário, por exemplo, de PHP que já foi "patched" pra esse tipo de erro há MUITO tempo atrás!)... e, certamente, era só uma questão de tempo até que isso viesse a acontecer... e, claro, aconteceu nessa semana que passou. Resultado: Nossa comunidade (linkada acima) simplesmente DESAPARECEU... da noite pro dia... como se tivesse sido completamente deletada! E, como temos trabalhado sério na comunidade, tínhamos 'posts' muito bons lá. Bom, resultado: Em 24h tínhamos criado não só uma nova comunidade como já estávamos com 250 membros! Bom, depois de contatar o Orkut/Google etc e tal, ontem "devolveram" a nossa comunidade... ou seja, devem ter 'patched' o bug... e tudo está voltando ao normal. Mas, durante todos esses loOongos 4/5 dias, a comunidade foi extremamente solidária e trabalho muito positivamente não só para a pronta reconstrução duma nova comunidade, mas também da solução do problema em si.

Em (2), minhas experiências também têm sido positivas. Manter um blog bilíngue é complicado: Tudo aquilo que vc escreve na "outra" língua fica "perdido" pra "outra". Mas, sempre que "acontece alguma coisa", eu recebo emails e mais emails de gente que usa os "serviços" ou do blog, ou do meu Planet. Ou seja, há também uma comunidade ao redor do blog. E foi por isso que eu escolhi esse exemplo: Eu tenho certeza de que todos nós que temos blogs já observamos isso! :-)

No espírito de (2), muita coisa pode ser feita... desde o Elgg até o Moodle... podemos chegar até ferramentas como o Drupal! E, factivelmetne, estabelecermos comunidades online (virtuais) inteiras, de gente que trabalha dura por um objetivo em comum... em TODA parte do Mundo! É assim que vamos romper as barreiras transnacionais e, finalmente, nos tornarmos Humanos cidadões do Mundo.

˙ No final das contas, pela simples natureza "estatística" do problema, TUDO acaba tendo lugar... desde a ciência utilitarista (ie, a Tecnologia), até a ciência mais humanista possível, feita como poesia, pra libertar o espírito humano de sua pequenês! Portanto, chega a ser quase que imprescindível que, do ponto-de-vista do "Sistema", tenhamos um 'approach' bem pragmático: Faz-se aquilo que funciona melhor. Ponto. E, de preferência, o governo (ie, o "Sistema") interfere o mínimo possível na vida do povo... pra que o povo tenha ESCOLHA, tenha LIBERDADE, de se organizar como melhor preferir.

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Bom, resumindo... a Divulgação Científica ainda tem MUITO chão pela frente... mal começamos a arranhar a superfície da coisa ainda... ainda mais quando falamos de Divulgação Científica de Ciência Básica, ie, "Educação Científica" mesmo... aí é que ainda temos muito trabalho a fazer. Só cabe a nos arcar, ou não, com essa responsabilidade social. Será que temos um "Projeto de Nação" pra apoiar esse tipo de "Responsabilidade Social"?!

Se há "cachorros" ou não, pouco importa... o que importa é que há "mato"! É como o artista reclamar que não tem tinta... ué, mas não tem "arte"?!!! Da Vinci nunca reclamou... ele ia e fazia. Ponto. É assim que vamos construir o futuro... vamos lá e vamos fazê-lo! :-)

Agora é hora de ir tomar sorvetinho de chocolate... que ninguém é de ferro... diz aí?! ;-)

Um abração pra todos, []'s!

Kynismós! disse...
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Kynismós! disse...

Finalmente alguém escreve algo interessante por aqui... mas humanismo se aprende é na escola e não na Internet... mas como a escola pode ser humanista se seus professores não sabem o que é isso? E adivinha onde boa parte deles foi formada?
Sim, e Arquimedes também não tinha financiamento do CNPq...

Por falar em divulgação científica clara e de qualidade, por onde andam o Asimov, Gamow, Dyson, Gilmore, Perelmann, Paul Karlson, Courant, Marcelo Gleise, Carl Sagan, Ronaldo Mourão, Gardner, Walker, Dawkins, Wilson, Jay Gould, Wolke, Gleick, etc.? Eles e muitos, muitos outros existem, o problema é seus livros chegarem nas mãos das massas.

Osame Kinouchi disse...

Daniel,
Eu não disse que a direita tinha uma visão utilitarista da ciencia, eu disse que ambas a direita e a esquerda tem uma visao utilitarista da ciencia (assim como da arte, onde temos o mercado de arte enquanto investimento seguro e a ârte enganjada".
Podemos classificar uma sociedade por um vetor N-dimensional de features, com N tão grande quando você queira. Dai voce faz PCA (principal component analysys) e tira alguns eixos principais como (1) direita-esquerda, (2) laico-religioso, (3) autoritário-libertário etc e tal.
Vc parece valorizar o eixo (3) e eu concordo que o eixo (1) diminuiu sua importancia mas nao desapareceu (porque estou usando a definição direita-esquerda de Bobbio e deverá voltar a ser relevante na medida em que a classe média americana diminua - como está acontecendo atualmente) Já o eixo (2) parece estar ficando cada vez mais importante e colidirá com a Ciencia e a Divulgação Científica, com certeza.

Maria Guimarães disse...

osame, não sei se entendi seu primeiro comentário. você acha que a produção de textos saborosos sobre ciência para belas revistas necessariamente desvirtua a pesquisa científica?

Osame Kinouchi disse...

Maria, vou colocar de outro modo. Eu adoro a Scientific American mas veja, como qualquer outra revista, ela tem que competir no mercado. Isso é bom porque pressiona a revista a se adaptar em termos de linguagem etc ao seu publico, ao contrario de uma revista hipotetica financiada por orgao publico. Ao mesmo tempo é nefasto na medida em que as pressoes de mercado também atuam na direção da hipersimplificação, do sensacionalismo, de um certo new age classe media, em busca de nicho de mercado: é assim que entendo a evoluÇão sofrida pelas revistas do grupo SuperInteressante. Parece que uma outra revista que tem dado umas deslizadas sensacionalistas é a New Scientist.
Ou seja, dado que temos jornalismo cientifico por profissão, me parece que mais cedo ou mais tarde surgirão (ou já surgiram) os tablóides cientificos, equivalentes aos tabloides ingleses, e os programas big brother cientificos na TV, o que quer que isso signifique...

Maria Guimarães disse...

ah! ufa.
concordo com você.
mas aí é um problema mais complicado, porque não diz respeito especificamente à divulgação científica mas também ao jornalismo em geral...

Daniel Doro Ferrante disse...

Oi Osame, Kynismós, Pessoal, (esse comentario vai sem acento mesmo -- com 'transliteracoes' -- porque estou sem tempo de configurar tudo do meu jeito)

Essa analise estatistica (PCA) que vc faz, pra mim, eh um argumento a posteriori; eu explico. O fato de vc olhar pra sociedade de hoje e tirar um 'snapshot' via PCA soh diz uma unica coisa: que HOJE a sociedade se comporta dessa maneira; mais nada. Nao eh necessariamente possivel vc fazer alguma inferencia temporal baseado nessa sua analise de hoje... a menos, eh claro, que vc comece a acumular dados e mais dados e, com o tempo, possa fazer 'series temporais' desses 'snapshot'-PCAs. Exemplo: Se vc tivesse feito esse PCA ha 10.000 anos atras, logo no comeco dos Homo sapiens, vc mediria uma coisa; fazendo o PCA na epoca dos Egipcios, vc mediria outra; na epoca dos gregos, seria outro resultado; para o Imperio Romano, Otomano, Mongois, Japoneses, Feudalismo, etc, etc, etc... vc SEMPRE mediria PCAs diferentes! E isso eh EXTREMAMENTE importante.

Veja, a humanidade sempre se dividiu em "classes", ie, sempre houve alguma forma de 'classificacao': Homens que iam aa caca, outros que iam plantar, as mulheres que tomavam conta da cria; os faraos, os escravos; os semitas (palestinos e judeus); os gregos, as mulheres e os escravos; os romanos, a guarda pretoriana, os imperadores, as mulheres; o feudalismo... alguns lugares, como na China e na India, a historia de "castas" eh, literalmente, milenar, beirando os ~4000 anos! A pergunta fundamental eh: Essa "divisao humana" (ie, essas "classes") sao algo inerentemente ruim? E a resposta eh: Nao necessariamente. O Feudalismo Japones durou milhares de anos e nunca ninguem reclamou... Atila, o Huno, por outro lado, apesar de manter o sistema de classe/castas dos Hunos, foi extremamente "comunista" em seus ideais e principios (inventando uniformes pra que todos os membros do exercito fossem iguais, nao havia patentes, etc).

Portanto, o PCA, no maximo, na melhor das hipoteses, pode te dar um 'snapshot' do "aqui-agora", de como a sociedade eh hoje... mas nao pode predizer o que vai acontecer no futuro -- assim como nao pode "predizer" o passado.

O que eu estou falando eh que nao faz sentido associar "valor" ao "utilitarismo"... se um monte de pessoas quiserem doar uma grana pra eu trabalhar, por motivos utilitaristas, eu vou aceitar sim: E vou fazer a melhor pesquisa que eu souber e puder fazer... de acordo com a MINHA visao de mundo. Essa ideia de que a "luta de classes", direita × esquerda (quer seja Bobbio ou nao), vai voltar com a queda da classe media nao eh necessariamente real: Ateh Marx aparecer na fita, muito pouca gente se incomodava com essa divisao de "classes" (como eu espero ter mostrado com os exemplos historicos acima). Fora isso, os "meios de producao de bens" jah nao sao mais as arcaicas "linhas de montagem" que Ford inventou: Vc jah viu uma fabrica da Toyota por dentro?! Depois que inventaram a tal da "Logistica Integral", nao existe mais linhas de montagem... e a ideia "Laranja Mecanica" do mundo jah nao existe mais, factualmente falando. (Sim, eu sei que poderiamos entrar nos ambitos de companhias que usam trabalho "escravo", e assim por diante... mas, eu sei que vc estah entendendo o que eu quero dizer -- essas sao aberracoes que deveriam ser simplesmente extintas.)

Quanto aa colisao entre "laicos" e "religiosos"... eu duvido que isso vah acontecer como num Coliseu... em geral, a sociedade acaba escolhendo um caminho... como foi feito na Idade Media... ou no periodo Iluminista... Eu nao acredito em "colisoes", eu acredito em "manipulacao"... portanto, nosso dever, nossa responsabilidade social, eh nao deixar essa "manipulacao" acontecer: Eh fazendo divulgacao cientifica de qualidade que podemos factualmente mudar a sociedade!

Kynismos, eu, pessoalmente, nao acredito que se aprende humanismo na escola... acho isso limitado demais... humanismo, pra mim, se aprende SENDO humano, se exercitando as caracteristicas humanas... incumbir essa responsabilidade em qualquer orgao que nao seja a familia (o nucleo social) nao faz o menor sentido.

Bom... eu imagino que possa nao ter sido muito claro... mas, deem um desconto: Estou indo pra casa amanha! :-)

Um abracao pra todos, []'s!

Kynismós! disse...
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Kynismós! disse...

"Mas como a escola pode ser humanista se seus professores não sabem o que é isso?" Acho que ficou claro que quis dizer que era pra se aprender na escola, mas por razões óbvias (pelo menos pra mim) não o é.
No mais, o "núcleo social" já se desfez há tempos, pelo menos no mundo em que vivo, mas pelo jeito não vivemos no mesmo mundo. E mesmo nos casos em que o tal núcleo existe nem sempre, e nem de longe, seus ensinamentos tendem a serem humanistas. E deixando a cegueira de lado, que diabos a escola (todas elas, inclusive a santa academia) ensina mesmo? Qualquer coisa que seja, sem humanismo não servirá para nada, será simplesmente mais uma arma nas mãos de seres humanos inconseqüentes e egoístas, não obstante continuo achando que vivo em outro mundo.

É óbvio que divisão da humanidade em classes é algo necessariamente ruim.

E já que o papo é divulgação científica clara, será que faltam palavras ou expressões na riquíssima língua portuguesa que justifique o uso de tantas expressões da língua inglesa?

E sobre o desvirtuamento da pesquisa científica: o meio acadêmico já vive em clima de constante guerra pela disputa de financiamento, imagina só se artigos científicos em revistinhas sensacionalistas começam a dar dinheiro... ninguém pesquisa mais nada mesmo.

A melhor expressão usada até agora "HIPERSIMPLIFICAÇÃO", boa!!!
Ciência é algo não intuitivo por natureza, se fosse diferente não precisaríamos pesquisar, todas as respostas já seriam óbvias, daí o problema não está na falta de divulgação cientifica de qualidade e sim na falta do abecedário cientifico e na preguiça que as pessoas tem de pensar (refletir).

Osame Kinouchi disse...

Daniel, vamos considerar um exemplo simples sobre visões de mundo.
a) As pessoas devem possuir direitos diferentes em virtude de sua linhagem, sexo, raça ou casta.
b) As pessoas dever possuir direitos iguais.

Concordo que a visão tipo b) é relativamente recente. Mas
não existe nenhuma razão científica ou filosofica para optar por uma ou outra (antiguidade não é virtude, mostra apenas que aquele meme tem força para se manter endemico na sociedade - os memes são egoistas - mas não que tal meme favoreça os indivíduos ou populações). A malaria é antiga e endemica na Africa, e a genetica humana do continente até se adaptou parcialmente a isso - genes ligados a anemia falciforme - mas isso não quer dizer que a malaria, apenas por ser antiga, seja boa para aquelas populações.

Pode existir argumentação pragmatica (Nietzsche dizia que sociedades que escolhem a primeira opção progridem mais, por eliminar os fracos via Darwinismo social, e o dominio dos mais fortes permite uma sociedade mais estável no longo prazo). Como evidencia empirica poderia ser citada o imperio britanico e niponico, mas os fatores são tantos que a discussão descamba.

Mas veja bem, nao sou contra elites: náo vejo problemas em elites intelectuais, artisticas, esportistas, politicas e mesmo economicas (no sentido de responsabilidade gerencial). Mas não vejo porque tais elites deveriam ser contempladas tambem com poder economico excessivo. Você acha que os deputados deveriam ganhar 100.000 reais mensais por pertencerem a uma elite politica? Sim, eu conheço o argumento de que quem ganha bem nao rouba. Mas isso é falho, porque nossa percepção do valor do dinheiro muda conforme o nivel de riqueza e não existe um nivel de satisfação intrinseco.
Ou seja, admito leis de potencia para os desempenhos humanos (impacto artistico, cultural, politico, cientifico, economico etc), mas acho que isso não precisa implicar em lei de potencia fortemente inequalitaria para a recompensa financeira e poder economico obtida por essas elites. Acho que uma recompensa seguindo lei de potencia com expoente -3 *em vez do atual -1.5 dos EUA e Brasil) ou uma log normal está de bom tamanho! No Japao, o expoente é -2. Mas isso é questão de opinião, claro...
Conectando ao tema do post, vejo aqui outro problema da divulgação cientifica: tentar esclarecer bem o que é fato e o que é valor, embora todos saibamos que a separacao entre os dois é sempre problematica devido a essa tal "argumentação pragmatica proto-cientifica" ("Esse valor é bom para a sociedade, veja o exemplo de tal pais!") que tentei definir acima.

Anselmo Augusto de Castro disse...

Quem diria, hein, Lúcia. Seu post trouxe muitas discussões de caráter fértil.
Espero que todas as idéias expressas nos comentários sejam avaliadas pelos autores e interlocutores do Roda.
Alguns hábitos são mais difíceis de serem alterados.

Abraços