25 dezembro, 2006

TEXTO E DISCURSO – UM PONTO DE VISTA

Por Rogério Silva

“Semente de amor sei que sou desde nascença,

Mas sem ter a vida e fulgor, heis minha sentença,

Tentei pela primeira vez um sonho vibrar,

Foi beijo que nasceu e morreu, sem se chegar a dar,”

Não quero mais amar a ninguém de Cartola


“Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento

O poeta está vivo, com seus moinhos de vento

A impulsionar a grande roda da história

Mas quem tem coragem de ouvir

Amanheceu o pensamento”

O poeta está vivo de Roberto Frejat e Dulce Quental


Quais as possibilidades que um blog oferece? Essa pergunta parece direcionar a resposta para uma única finalidade, mas a palavra possibilidades trai tal intenção. Um blog que roda, que em seu texto reúne pessoas que pensam em diferentes direções e que freqüentam diferentes saberes, nos remete a um parque de diversões com rodas gigantes, montanhas russas e outros brinquedos que por mais diferentes que sejam giram sempre em torno de um eixo qualquer.

O texto, este incansável dizer, acompanha o homem desde os tempos mais primitivos. Nas cavernas, nos papiros, nos livros ou modernamente na internet, são sempre dizeres.

Falar e escrever simples. Uma pretensão para quem não pode usar desses atributos em suas teses, mas um desejo para quem quer se implicar com o que se propõe falar ou escrever.

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8 comentários:

Osame Kinouchi disse...

Rogério,
A Maria recomendou fazer os comentarios aqui. Acho que ambos os exatos e os humanos tem problemas na tradução de seus textos para o grande publico. Minha questao seria: isso é inevitável, dado que o jargão é necessário pois toda uma história conceitual se esconde atrás dele, ou seria um esnobismo nosso que temos dificuldade em renunciar?
Deixa eu dar um exemplo concreto, usando o seu texto (peço desculpas já, pois deveria usar os meus textos cheis de jargões de fisica estatistica):

"Como Protágoras, confiamos no lógos, porque lógos é sempre lógos de um fenômeno. Mas então a tese fenomenológica leva aos paradoxos da sofística. Ela implica pertinência do fenômeno ao dizer que não deixa mais lugar algum à distinção entre verdadeiro e falso: segundo a frase de Antístenes, “todo discurso confessa”. Com essa distinção, desaparece também a diferença entre aparição e aparência, ser e não-ser, ou substância e acidente: se o discurso limita-se a confessar, é porque ele diz sempre “o que é”. É mesmo toda a possibilidade de escolher um sentido, um ente, uma frase, uma conduta, um “em vez de” qualquer: ainda mais uma vez, o paraíso fenomenológico transforma-se em seu contrário."


Agora, imagine um leitor de escolaridade secundaria (ou seja, 97% da populacao brasileira, imagino) tentando ler o seu texto: que requisitos ele precisaria ter?
1. Precisaria saber quem foi Protagoras e Antistenes.
2. Precisaria ter uma nocao de grego ("logos").
3. Precisaria ter uma noção do que seja a Fenomenologia, e mesmo do conceito fenomenologico de "fenomeno". Eu nao o tenho, porque fenomeno, em Fisica, nao parece ter a ver com fenomeno em Fenomenologia.
4. O leitor precisaria ter uma ideia do que seja um paradoxo e sofistica. Nao sei se meus alunos de pos graduacao tem ideia clara do que seja isso.
5. Prcisaria saber o significado de um monte de jargão filosofico : aparição e aparencia, ser e nao ser etc.
6. Precisaria entender esta (longa) frase:
"É mesmo toda a possibilidade de escolher um sentido, um ente, uma frase, uma conduta, um “em vez de” qualquer: ainda mais uma vez, o paraíso fenomenológico transforma-se em seu contrário." Desculpe, mas eu nao entendi.
Bom, entenda que nao estou querendo fazer uma critica a voce mas sim desafia-lo (amigavelmente) em relacao ao tema do Roda de Ciencia de Dezembro: escrever simples. Ou seja, minha questão é: voce poderia reescrever inteiramente o seu post, que está no seu blog, sob a proibição de se usar jargao filosofico e psicanalitico? Com o que o texto ficaria parecido? Eu vou tentar fazer o mesmo com um texto meu cheio de jargão de Fisica, e colocar essa experiencia aqui. Abraços!

Kynismós! disse...

Na verdade nunca entendo nada do que ele escreve, mas não me desespero por isso. :)

Do início do primeiro capítulo de um livro intitulado "Matemática e imaginação" (Kasner e Newman): (...) Já há, certamente, muitas palavras na Matemática. Tal como em outros assuntos. Realmente, há tantas palavras que hoje é mais fácil do que antigamente falar muito e não dizer nada. Foi principalmente por meio de palavras, reunidas como as contas de um colar, que a metade de população do mundo foi levada a acreditar em coisas más e a sancionar maus procedimentos. (...)

Rogério Silva disse...

Oi Osame
Obrigado pelo comentário.
seria um esnobismo nosso que temos dificuldade em renunciar?
Eu não chegaria a classificar de esnobismo, mas a dificuldade em renunciar é evidente. É como andar em ovos. Veja, eu tinha a intenção de demonstrar que no texto há o prazer e no discurso o significado. Nós lidamos com isso na clínica, precisamos conhecer os conceitos, mas quando falamos deles a dificuldade aparece.
Entendo a sua crítica como dirigida à idéia e a provocação é bem recebida. De fato claudiquei principalmente no trecho que você indica, portanto vou tentar reescrever. É um desafio.
Abraço Rogerio

Anselmo Augusto de Castro disse...

Jargões, seriam estes os "demônios" da divulgação científica.

Porém, gostei da idéia de liberdade e prazer no texto.

...Dogmas linguísticos?

Deixem os dogmas para a Igreja.

Abraços

Kynismós! disse...

Alguns dos demônios sim, mas não todos.

Anônimo disse...

Muito do jargão que uso, em temas de Biologia e Astronomia, não exige mais que um bom dicionário. Apesar disso, não resisto a um exemplo que pode parecer talvez demasiado simplista e mesmo um pouco ridículo, mas que penso se adequa um pouco ao ponto do Osame.

Será que levando ao extremo a vontade de exorcizar os demónios do jargão, em vez de "herbívoro" eu não deveria escrever "animal que come vegetais"? Será que ao optar pelo herbívoro estou a ser snob ou apenas a eliminar terminologia que eu sei que é redundante para o grupo de potenciais leitores regulares do meu blog?

O Rogério tem uma prosa rica que exige algum empenho e conhecimentos do leitor. Para mim a questão não é se o texto do Rogério tem jargão. A questão é se o jargão que existe me retira a mim, não especialista, o "prazer" na leitura dos seus textos.

Rogério Silva disse...

Muito bem pensado. Quando estamos apoiados em nossos teóricos de plantão, sentimo-nos grande o suficiente para dizer: acredite em mim, estou apoiado aqui ou ali. O que digo é verdade. Se não acredita em mim, acredite Nele, e assim saímos ilesos, sem arranhões.
Quero pensar numa situação simples: um prego entrando em uma madeira sob a ação de um martelo. Qualquer matuto descreveria o que acabei de descrever da mesma forma que usamos para fazer isso, mas um intelectual, na academia teria que fazer experimentos, desenvolver teses, apresentar outros trabalhos e escrever a sua tese com, pelo menos 450 páginas e mais de 100 indicações bibliográficas. Teria que especificar a madeira, o tamanho do prego, a força empregada pelo martelo e assim por diante.
O simples ficou muito difícil e o máximo que podemos dizer é que já não pregam pregos como antigamente. E não há nostalgia nisso porque os gregos (filósofos) já tinham essa mania.
Buscando um dos meus teóricos de plantão, Kafka, no seu livro "Carta ao pai", diz assim: "A impossibilidade de intercâmbio tranqüilo teve uma outra conseqüência na verdade muito natural: desprendi a falar."
Mais adiante ele acrescenta: "Pelo contrário: se eu tivesse obedecido menos, você estaria muito mais satisfeito comigo."

Bem, muitas outras coisa já foram ditas.
abs rogerio

Maria Guimarães disse...

não acho que seja dogma, vejo mais como bom senso: o texto tem sim que ser produzido com prazer, porque só assim é lido com prazer; e não pode ser inacessível ao público-alvo, senão o leitor desiste.
no caso de blogues o público-alvo é muito amplo, varia mesmo. cada um de nós pode decidir quem quer atingir com seu texto e mirar a complexidade para esse grupo, mas para mim a graça maior neste fórum é a possibilidade de leitor inesperado.
eu gosto, como o caio, de salpicar textos com palavras menos comuns, que talvez precisem de dicionário. mas isso requer, a meu ver, um zelo e tanto: tem que primeiro convencer o leitor de que ele quer saber o que está escrito ali. senão ele bate em barreiras e vai fazer outra coisa mais interessante - ou mais gratificante.
o perigo está em nivelar por baixo, como se diz aqui no brasil. dizer "bichos que comem plantas" porque algumas pessoas não conhecem o termo "herbívoro" é um exemplo. acaba contribuindo para o empobrecimento do vocabulário. acho que fica ao encargo do escritor, discernir quais palavras devem ser aprendidas, caso o leitor não conhece - e talvez caiba explicar seu sentido no início do texto.
enfim, é esse o desafio que me move: equilibrar complexidade e simplicidade, partindo do princípio de que não são antônimos. algo complexo apresentado de forma simples costuma ser muito mais útil para o leitor, que apreende a complexidade e percebe que pode pensar ainda além. nada é complicado demais.