Por Rogério Silva
“Semente de amor sei que sou desde nascença,
Mas sem ter a vida e fulgor, heis minha sentença,
Tentei pela primeira vez um sonho vibrar,
Foi beijo que nasceu e morreu, sem se chegar a dar,”
Não quero mais amar a ninguém de Cartola
“Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento
O poeta está vivo, com seus moinhos de vento
A impulsionar a grande roda da história
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento”
O poeta está vivo de Roberto Frejat e Dulce Quental
Quais as possibilidades que um blog oferece? Essa pergunta parece direcionar a resposta para uma única finalidade, mas a palavra possibilidades trai tal intenção. Um blog que roda, que em seu texto reúne pessoas que pensam em diferentes direções e que freqüentam diferentes saberes, nos remete a um parque de diversões com rodas gigantes, montanhas russas e outros brinquedos que por mais diferentes que sejam giram sempre em torno de um eixo qualquer.
O texto, este incansável dizer, acompanha o homem desde os tempos mais primitivos. Nas cavernas, nos papiros, nos livros ou modernamente na internet, são sempre dizeres.
Falar e escrever simples. Uma pretensão para quem não pode usar desses atributos em suas teses, mas um desejo para quem quer se implicar com o que se propõe falar ou escrever.
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8 comentários:
Rogério,
A Maria recomendou fazer os comentarios aqui. Acho que ambos os exatos e os humanos tem problemas na tradução de seus textos para o grande publico. Minha questao seria: isso é inevitável, dado que o jargão é necessário pois toda uma história conceitual se esconde atrás dele, ou seria um esnobismo nosso que temos dificuldade em renunciar?
Deixa eu dar um exemplo concreto, usando o seu texto (peço desculpas já, pois deveria usar os meus textos cheis de jargões de fisica estatistica):
"Como Protágoras, confiamos no lógos, porque lógos é sempre lógos de um fenômeno. Mas então a tese fenomenológica leva aos paradoxos da sofística. Ela implica pertinência do fenômeno ao dizer que não deixa mais lugar algum à distinção entre verdadeiro e falso: segundo a frase de Antístenes, “todo discurso confessa”. Com essa distinção, desaparece também a diferença entre aparição e aparência, ser e não-ser, ou substância e acidente: se o discurso limita-se a confessar, é porque ele diz sempre “o que é”. É mesmo toda a possibilidade de escolher um sentido, um ente, uma frase, uma conduta, um “em vez de” qualquer: ainda mais uma vez, o paraíso fenomenológico transforma-se em seu contrário."
Agora, imagine um leitor de escolaridade secundaria (ou seja, 97% da populacao brasileira, imagino) tentando ler o seu texto: que requisitos ele precisaria ter?
1. Precisaria saber quem foi Protagoras e Antistenes.
2. Precisaria ter uma nocao de grego ("logos").
3. Precisaria ter uma noção do que seja a Fenomenologia, e mesmo do conceito fenomenologico de "fenomeno". Eu nao o tenho, porque fenomeno, em Fisica, nao parece ter a ver com fenomeno em Fenomenologia.
4. O leitor precisaria ter uma ideia do que seja um paradoxo e sofistica. Nao sei se meus alunos de pos graduacao tem ideia clara do que seja isso.
5. Prcisaria saber o significado de um monte de jargão filosofico : aparição e aparencia, ser e nao ser etc.
6. Precisaria entender esta (longa) frase:
"É mesmo toda a possibilidade de escolher um sentido, um ente, uma frase, uma conduta, um “em vez de” qualquer: ainda mais uma vez, o paraíso fenomenológico transforma-se em seu contrário." Desculpe, mas eu nao entendi.
Bom, entenda que nao estou querendo fazer uma critica a voce mas sim desafia-lo (amigavelmente) em relacao ao tema do Roda de Ciencia de Dezembro: escrever simples. Ou seja, minha questão é: voce poderia reescrever inteiramente o seu post, que está no seu blog, sob a proibição de se usar jargao filosofico e psicanalitico? Com o que o texto ficaria parecido? Eu vou tentar fazer o mesmo com um texto meu cheio de jargão de Fisica, e colocar essa experiencia aqui. Abraços!
Na verdade nunca entendo nada do que ele escreve, mas não me desespero por isso. :)
Do início do primeiro capítulo de um livro intitulado "Matemática e imaginação" (Kasner e Newman): (...) Já há, certamente, muitas palavras na Matemática. Tal como em outros assuntos. Realmente, há tantas palavras que hoje é mais fácil do que antigamente falar muito e não dizer nada. Foi principalmente por meio de palavras, reunidas como as contas de um colar, que a metade de população do mundo foi levada a acreditar em coisas más e a sancionar maus procedimentos. (...)
Oi Osame
Obrigado pelo comentário.
seria um esnobismo nosso que temos dificuldade em renunciar?
Eu não chegaria a classificar de esnobismo, mas a dificuldade em renunciar é evidente. É como andar em ovos. Veja, eu tinha a intenção de demonstrar que no texto há o prazer e no discurso o significado. Nós lidamos com isso na clínica, precisamos conhecer os conceitos, mas quando falamos deles a dificuldade aparece.
Entendo a sua crítica como dirigida à idéia e a provocação é bem recebida. De fato claudiquei principalmente no trecho que você indica, portanto vou tentar reescrever. É um desafio.
Abraço Rogerio
Jargões, seriam estes os "demônios" da divulgação científica.
Porém, gostei da idéia de liberdade e prazer no texto.
...Dogmas linguísticos?
Deixem os dogmas para a Igreja.
Abraços
Alguns dos demônios sim, mas não todos.
Muito do jargão que uso, em temas de Biologia e Astronomia, não exige mais que um bom dicionário. Apesar disso, não resisto a um exemplo que pode parecer talvez demasiado simplista e mesmo um pouco ridículo, mas que penso se adequa um pouco ao ponto do Osame.
Será que levando ao extremo a vontade de exorcizar os demónios do jargão, em vez de "herbívoro" eu não deveria escrever "animal que come vegetais"? Será que ao optar pelo herbívoro estou a ser snob ou apenas a eliminar terminologia que eu sei que é redundante para o grupo de potenciais leitores regulares do meu blog?
O Rogério tem uma prosa rica que exige algum empenho e conhecimentos do leitor. Para mim a questão não é se o texto do Rogério tem jargão. A questão é se o jargão que existe me retira a mim, não especialista, o "prazer" na leitura dos seus textos.
Muito bem pensado. Quando estamos apoiados em nossos teóricos de plantão, sentimo-nos grande o suficiente para dizer: acredite em mim, estou apoiado aqui ou ali. O que digo é verdade. Se não acredita em mim, acredite Nele, e assim saímos ilesos, sem arranhões.
Quero pensar numa situação simples: um prego entrando em uma madeira sob a ação de um martelo. Qualquer matuto descreveria o que acabei de descrever da mesma forma que usamos para fazer isso, mas um intelectual, na academia teria que fazer experimentos, desenvolver teses, apresentar outros trabalhos e escrever a sua tese com, pelo menos 450 páginas e mais de 100 indicações bibliográficas. Teria que especificar a madeira, o tamanho do prego, a força empregada pelo martelo e assim por diante.
O simples ficou muito difícil e o máximo que podemos dizer é que já não pregam pregos como antigamente. E não há nostalgia nisso porque os gregos (filósofos) já tinham essa mania.
Buscando um dos meus teóricos de plantão, Kafka, no seu livro "Carta ao pai", diz assim: "A impossibilidade de intercâmbio tranqüilo teve uma outra conseqüência na verdade muito natural: desprendi a falar."
Mais adiante ele acrescenta: "Pelo contrário: se eu tivesse obedecido menos, você estaria muito mais satisfeito comigo."
Bem, muitas outras coisa já foram ditas.
abs rogerio
não acho que seja dogma, vejo mais como bom senso: o texto tem sim que ser produzido com prazer, porque só assim é lido com prazer; e não pode ser inacessível ao público-alvo, senão o leitor desiste.
no caso de blogues o público-alvo é muito amplo, varia mesmo. cada um de nós pode decidir quem quer atingir com seu texto e mirar a complexidade para esse grupo, mas para mim a graça maior neste fórum é a possibilidade de leitor inesperado.
eu gosto, como o caio, de salpicar textos com palavras menos comuns, que talvez precisem de dicionário. mas isso requer, a meu ver, um zelo e tanto: tem que primeiro convencer o leitor de que ele quer saber o que está escrito ali. senão ele bate em barreiras e vai fazer outra coisa mais interessante - ou mais gratificante.
o perigo está em nivelar por baixo, como se diz aqui no brasil. dizer "bichos que comem plantas" porque algumas pessoas não conhecem o termo "herbívoro" é um exemplo. acaba contribuindo para o empobrecimento do vocabulário. acho que fica ao encargo do escritor, discernir quais palavras devem ser aprendidas, caso o leitor não conhece - e talvez caiba explicar seu sentido no início do texto.
enfim, é esse o desafio que me move: equilibrar complexidade e simplicidade, partindo do princípio de que não são antônimos. algo complexo apresentado de forma simples costuma ser muito mais útil para o leitor, que apreende a complexidade e percebe que pode pensar ainda além. nada é complicado demais.
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