Por Rogério Silva
Durante estes dois meses eu vivi uma grande angústia diante da perspectiva de tratar a questão do aquecimento global sob o ponto de vista da psicanálise, para contribuir com o tema do mês passado do blogue Roda de Ciência.
De certa forma senti também uma paralisia, como denunciou Maria Guimarães na sua última postagem e concordo quando ela fala de uma paralisia que impede que cada um incorpore ao seu modo de vida a consciência de que nós (eu, você e os outros) contribuímos para a devastação do mundo e agora temos que ir atrás de remediar o malfeito.
Muitas coisas já foram ditas em outras postagens, mesmo sem a pretensão de esgotar o assunto. Os cientistas da Física, da Química, da Biologia dentre outras ciências, tratam a questão do aquecimento global de dentro do fenômeno, de suas causas e de seus efeitos, enquanto nossos instrumentos ficam mais distantes.
Embora Freud não tenha nenhum escrito relacionado diretamente com o meio ambiente, ele não deixou de falar sobre algumas questões que são hoje de grande relevância. Em “O mal-estar na civilização” (1930ª [1929]), ele aponta como sendo três os grandes males que nos aflige: a ação da natureza sob a qual pouco podemos fazer; os males do corpo, que hoje em dia as ciências já conseguem algum domínio, aumentando a longevidade e a qualidade de vida e a ação do homem sobre a humanidade em suas relações políticas, religiosas e inter-pessoais e sobre o meio ambiente.
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7 comentários:
Olá Rogério,
será que Freud não explicará pelo menos uma pequena parte da grande associação explosiva e vitoriosa do séc. XX: capitalismo, consumismo e individualismo. Não terão sido as ideias de Freud co-optadas para edificar um sistema de marketing como o conhecemos hoje, dirigido ao indivíduo? É uma associação irresistível, esta sociedade de consumo que nos deixa a todos paralizados e em estado de negação. Mesmo quando observamos que os seus fundamentos soçobram à nossa frente. E o fundamento principal que não é sustentável, numa perspectiva ecológica, é a supremacia do interesse individual sobre o coletivo. Ficamos assim paralizados, quando percebemos que milhões perecem e perecerão todos os dias enquanto alegremente debatemos sobre se podemos ou não esperar mais 10 ou vinte anos para perceber se devemos iniciar uma transfomação radical nesta nossa tão querida civilização ocidental.
Abraços.
Rogério, o começo do teu texto me fez pensar. É difícil admitirmos a culpa, mais difícil ainda mudar drasticamente nosso estilo de vida. principalmente quando pensamos que não adianta nada cada um agir se os outros continuam no bem-bom (e tem o similar em escala nacional, porque o brasil vai mudar algo se os grandes poluidores não estão nem aí?).
O que fazer? Uma espécie de terapia de grupo mundial para nos ajudar a encarar o problema de frente?
João Alexandrino
“será que Freud não explicará pelo menos uma pequena parte da grande associação explosiva e vitoriosa do séc. XX: capitalismo, consumismo e individualismo. Não terão sido as ideias de Freud co-optadas para edificar um sistema de marketing como o conhecemos hoje, dirigido ao indivíduo?”
Se você considera individualismo o fato do auto-conhecimento se dar ao nível do individuo eu estaria de acordo em parte. Todo conhecimento sobre qualquer assunto se dá no plano individual, em se tratando de subjetividade, o auto-conhecimento, não poderia ser diferente. Gostaria de entender melhor estas “idéias de Freud cooptadas: capitalismo consumismo...”
A supremacia do interesse individual sobre o coletivo não é fomentada pela psicanálise. Nunca ouvi falar de dirigentes de qualquer sorte que tenham se submetido à psicanálise, a não ser a máfia no divã, logicamente em filme.
Maria Guimarães
Trago aqui um pequeno trecho do livro Psicanálise e instituição de Chaim Samuel Katz:
Assim descreve Freud o significado das perturbações psíquicas, sua etiologia, o processo de sua cura; mostra -dupla articulação- como, apesar do sistema inconsciente ser a condição básica para o individuo, isto é, o lugar onde há que se inscrever para que se seja considerado como ser humano, a história das alternâncias instanciais é peculiar a cada sujeito, o que exigirá a atuação do psicanalista no plano da possibilitação do refazimento da situação neurótica original, através da prática psicanalítica; mas que este plano não é autônomo, estabelecido como uma relação qualquer, pois está dirigido e elaborado por uma teoria que informa as condições, limites e possibilidades de seu relacionamento e processos. Ou seja, a relação analista/analisando é uma conseqüência da teoria psicanalítica, pois resulta de postulados que são elaborados num corpus teórico. Não se trata, absolutamente, de afirmar que a teoria é um conjunto consistente e auto-suficiente e que a terapia analítica dela decorresse como um produto mecânico, nada lhe acrescentando; o que se observa é que, Freud tendo produzido a terapia psicanalítica teoricamente, ela se nos apresenta como que dependente da teoria, como se fosse unicamente um seu modo técnico.
(...) O psicanalista deverá conhecer a estrutura do aparelho psíquico, sua dinâmica e econômica, aprender o complexo nuclear através do qual o individuo se estrutura na sociedade, compreender o significado do recalque que se exerce tão significativamente no plano sexual (a ponto de fazer das relações sexuais maduras unicamente uma função reprodutiva), elaborar a história individual de seu analisando ao pesquisar suas expressões e alguns de seus comportamentos ditos insignificantes, só podendo fazê-lo, só estando preparado para fazê-lo desde que tenha feito consigo próprio a experiência analítica da superação de seu processo neurótico pessoal, na assunção de uma investigação deste, enquanto a Medicina está sempre voltada para o orgânico -aspectos anatômicos, funcionais, físicos, químicos etc.- que seria o fundamento e a explicitação dos processos psíquicos, compreendidos como superestruturas de uma base fisiológica. Segundo Freud, uma não excluiria a outra, do mesmo modo que testar a consistência de um sal não impede a análise de sua composição.
Cada ciência tem seu modo próprio de produzir um objeto que lhe é peculiar, e "a Psicanálise é, sabidamente, especialmente unilateral como a ciência do inconsciente anímico".
Não creio que dê para encher o Maracanã para fazer uma análise de grupo com vistas à mea-culpa sobre o aquecimento global, talvez o Padre Marcelo Rossi possa fazer, mas isso não é psicanálise.
abs rogerio
Rogério,
recomendo que tente assistir ao interessante documentário produzido pela BBC Four, "The Century of the Self". Encontrará links na página da wikipedia em http://en.wikipedia.org/wiki/The_Century_Of_The_Self
Abs, João
Rogério,
acontece que a Psicanálise não estuda somente os indivíduos no sentido indivíduo-sociedade. Nem mesmo só indivíduos: pequenos grupos (por exemplo, famílias), também estão em sua alçada.
Será que a contribuição da psicanálise para o problema do relacionamento homem-ecossistema não poderia ser maior?...
joão carlos
sem dúvida, poderia sim, mas é preciso que os psicanalistas deixem de ver os humanos apenas como privilegiados por possuírem discernimento e conhecimento de si no mundo. Claro que isso não é geral, mas ainda há quem pense assim.
Pode ser uma questão minha, mas ainda não vi este movimento de integração com o meio ambiente na psicanálise, todavia acredito que teremos de ser tocados e precisaremos responder à altura.
nesses últimos meses procurei exaustivamente um trabalho sobre o tema (psicanálise e meio-ambiente) e nada encontrei.
a contribuição poderia ser maior e acredito que ainda será (não por obra do divino espírito santo). Mas é o meu desejo.
abs rogerio
Oi Rogério,
Acabei de ver esse artigo do John Allen Paulos (que, na minha opinião, tem uma habilidade enorme em traduzir a desalmada-da-matemática em resultados extremamente 'humanos' e cheios de 'sentimentos', mostrando claramente o quão errado é esse preconceito contra a matemática) e achei que cabia perfeitamente aqui: An Inconvenient Puzzle: Global Warming, Genies and Torture (What Do They Have to Do With Each Other? Maybe a Lot).
Assim, fica fácil de vermos a simplicidade humana dos nossos valores "éticos" e "morais": Quem é mais ladrão, quem rouba uma caneta Bic ou quem rouba o Fort Knox? :-(
O paradoxo que aparece nesse artigo é o chamado The Bottle Imp que é análogo ao Unexpected hanging paradox.
Sempre há mais mistérios entre os céus e a Terra do que sonha nossa vã filosofia... é verdade... mas, se nossa filosofia simplista escolhesse 'pensar' um pouco mais... muitos desses mistérios já estariam "bem encaminhados". :-)
Um abração, []'s!
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