10 setembro, 2006
Coimbra tem mais encanto... e criacionistas!
Continuo de férias, mas o choque foi tão grande que ainda me sinto apalermado e tinha que colocar isto aqui. O tema do mês na Roda de Ciência é "Internet na Academia e a divulgação da Ciência". Eu pensava não ter tempo para contribuir com algo de jeito, pelo que isto veio de certa forma a calhar. Uma das questões, que pelos vistos não ocorreu aos proponentes do tema, é que os meios académicos não incluem apenas ciência, e podem, por vezes, ser mesmo hostis a certos aspectos da ciência. Este caso veio mostrar isso de forma algo dolorosa. Um jornal português, da imprensa supostamente séria, sentiu a necessidade de publicar uma carta aberta de um indivíduo que defende as teses criacionistas. Nem me atrevo a contaminar este blog com o título desse pasquim, que não voltarei a comprar. O que me deixou realmente aparvalhado foi descobrir que há um feudo criacionista numa vetusta universidade portuguesa. [leia mais ...]
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12 comentários:
assim como estes negam a existência da evolução, tenho uma tendência a negar a existência de manifestações desta natureza...
Pois é "Via Gene", eu em geral até apago quaisquer comentários criacionistas no meu blog, antes que algum incauto caia na esparrela e responda. Mas já que o tema do mês pedia exemplos de "Ugly" eu dei um. Um professor universitário que mantém uma página a defender o criacionismo na internet e que consegue espaço nos meios de comunicação. Devo no entanto dizer que a página em questão está ligada a um qualquer grupo evangélico e não se encontra afiliada à Universidade de Coimbra, embora o autor se identifique como professor da instituição.
Em princípio, deste lado do Atlântico a questão não é preocupante. Os grupos evangélicos que defendem o criacionismo têm pouca expressão e só mesmo uma colagem da Igreja Católica ao tema (que felizmente parece afastada) poderia levantar alguma controvérsia.
É como se um biólogo estivesse, em seu blog pessoal, desferindo opiniões (ainda que absurdas) sobre leis.
Não fico escandalizado, cada um que acredite (com provas ou não) no que lhe convém.
O escândalo aqui, se me permitem, é o fato da opinião ser assinada por um professor universitário e a possibilidade desta "credencial" conferir maior "valor" (valor científico? valor acadêmico?) ao conteúdo - absurdo - apresentado. Quando um indivíduo agrega - propositadamente - seu título à determinada opinião, age com a intenção de confundir sua crença com a imagem institucional, no caso, acadêmica. Aí está o escândalo... há uns 2 anos causou polêmica o fato da Universidade de Brasília (UnB) abrigar um "congresso" de astrologia (veja bem, não disse astronomia!), que quando realizado em "território" acadêmico conferia exatamente essa credencial "científica" a evento de natureza duvidosa...
acreditem no que quiserem, mas não se faça passar pelo que não se é, pois aí "a porca torce o rabo".
Abraços,
ana claudia
PS - incrível foi que a crítica ao evento (feita por um comentarista do Jornal Folha de SP) mereceu direito de resposta! E assim caminha a humanidade: 1 passo para frente, 2 para trás :)
O que não falta por aí na internet são sites com pseudociência e teorias estranhas. O criacionismo é uma consequência da liberdade religiosa das nossas sociedades. Compreendo que exista. Em geral não o discuto, e nem vou fazê-lo aqui. O que me levou a colocar este post não é o criacionismo em si, mas a existência de uma cultura anti-científica na academia. O que me choca é encontrar este tipo de retórica anti-científica, que engloba a biologia e a física, num académico. Mas o exemplo da Via Gene bate isto aos pontos.
Bruno: não é a mesma coisa. Opinar sobre uma lei não é a mesma coisa que colocar em causa os fundamentos da ciência. Eu posso questionar as leis humanas, como o limite de velocidade, e mudá-las, mas, mesmo que me indigne contra a lei da gravidade, ela continua a actuar. O nosso sistema jurídico é até certa forma obra de consenso e opinião, a ciência é sobretudo encadear de factos.
Numa democracia as leis são obra de todos e é nosso dever mudá-las e questioná-las se nos parecem injustas. Na ciência é diferente. Não é por nos parecer que a evolução é "injusta" por ir contra as Escrituras que podemos ignorá-la. Os fundamentos têm que ter base na natureza.
O que me incomoda não é a existência de criacionistas, mas que um jornal de referência publique isto. Para dar uma ideia do absurdo imagine esta notícia num jornal:
"A generalidade dos cientistas afirma que a Terra é aproximadamente esférica, mas um indivíduo que conheci na rua afirma que é plana. A controvérsia continua."
Quando estou doente, e por alguma razão não confio no diagnóstico de um médico, procuro outro médico, não um curioso qualquer. Do mesmo modo, não se podem reduzir as posições científicas a opiniões, que segundo os jornais estariam ao mesmo nível das dos astrólogos e criacionistas. As posições científicas são diagnósticos, que só podem ser rebatidos por pessoas com conhecimento aprofundado do tema.
Bem, inicio me apresentando. Meu nome é Diego, sou estudante de Jornalismo e de Ciências Sociais em São Paulo, leitor há tempos de alguns dos blogs que participam do "roda de ciência", e desde o início do referido projeto. Ah, e aliás, não sou criacionista, pelo contrário, admiro a construção do conhecimento científico bem fundamentado.
Como leigo que sou no que se refere à biologia, apesar de entender o que é o criacionismo, e qual o conflito deste com a visão evolucionista, não pude acompanhar o raciocínio das citações do texto retirado do jornal, que foram colocadas no post completo. Talvez se houvesse críticas específicas a cada trecho a coisa ficasse mais clara.
Agora, ao autor do texto em resposta ao comentário publicado logo acima: Caio, veja bem, tanto as leis como os fundamentos da ciência foram criados pelos homens, com base em consenso. Desse modo, é possível sim questioná-los (o que é diferente de questionar certas descobertas da ciência, como a lei da gravidade, com base em lógicas estranhas à do conhecimento científico). A ciência se fundamenta na idéia de que a natureza é dotada de uma lógica baseada em relações causais, e que tais relações são passíveis de serem apreendidas e compreendidas pelo homem, através de metodologias específicas.
É possível questionar isto sim (tanto que, da forma como a conhecemos, apenas no Ocidente Moderno esta forma de conhecimento se desenvolveu).
O problema com relação aos criacionistas me parece ser o fato de que eles aceitam estas premissas da ciência, e tentam fazer encaixar nela, posteriormente, seu raciocínio baseado numa crença, afirmando-o como científico. Evidentemente, isto rompe a lógica e se torna um absurdo.
A respeito do jornal, observe que publicar uma carta de um leitor, fosse ele ilustre ou desconhecido, não significa que a opinião do veículo seja análoga, pelo contrário, na maior parte das vezes trata-se de dar voz a pessoas que discordam de algo publicado anteriormente. Aliás, sendo fundamento da ciência que apenas as teses comprováveis e comprovadas sejam aceitas, é preciso que tais pessoas se expressem, para que possam ser combatidas. Silenciá-las traz a ideia de que a ciência não pode opor-lhes argumentos à altura.
Via Gene, concordo com você. Não sendo especialista na área, a opinião dele é tão importante quanto a de qualquer leitor, de modo que este não deveria apresentar-se como Professor Universitário.
No jornal, e pelo que me lembro, não se apresentou como professor universitário, mas é razoavelmente conhecido como jurista. É nos escritos na internet que acrescenta o título.
Quanto ao artigo, o jornal não tinha qualquer obrigação de publicá-lo, nem devia tê-lo feito. Faz-me lembrar uma história, verídica, que ocorreu em Portugal uns anos atrás. Publicaram num jornal, também de referência, uma teoria de um determinado senhor sobre a Lua não ter movimento de rotação. Na altura o jornalista contactou um astrónomo, que estando ocupado lhe pediu para ligar mais tarde. É claro que no jornal apareceu que "astrónomos escusam-se a comentar tão revolucionária teoria".
Já agora, quanto ao comentário do Diego, os homens criaram os enunciados das teorias que descrevem as leis científicas, não criaram as leis. Poderíamos ter demorado mais tempo, ou ter abordado o tema de forma diferente, mas as físicas atómica e nuclear, por exemplo, seriam essencialmente as mesmas.
Eu discordo que se deva discutir em pé de igualdade com os criacionistas. Não se pode dar o mesmo peso à opinião de um especialista que à de alguém que apenas conhece superficialmente o tema. Não se pode dar o mesmo peso à opinião de um curandeiro que à de um médico (embora certos curandeiros possam ter uma bagagem de conhecimento empírico que lhes dê uma autoridade muito superior à de qualquer criacionista). Pode dar impressão de medo, mas é muito pior dar a impressão ao público de que se trata apenas de pontos de vista antagónicos.
Além disso, discutir directamente com os criacionistas é perda de tempo. Não se pode discutir dogma religioso. Apenas peço que se mantenham longe do ensino da ciência.
Por outro lado, se se tratar de verdadeiras dúvidas, e não uma tentativa encapotada de introduzir o tema, não tenho qualquer problema em indicar, às pessoas que mo pedem, recursos sobre métodos de datação e lacunas do registo fóssil.
É, no mínimo, curioso... Eu, que sou religioso (e de uma religião altamente discutível: a Umbanda), não consigo entender o apego dos "criacionistas" a uma série de lendas que contradizem os fatos (factos - para o Caio). É como se - mesmo se acreditando na existência de um "Criador" onisciente, onipotente e onipresente - insistissem em limitá-lo a fazer as coisas de acordo com os pareceres pessoais que cada um tem na cabeça.
Eu costumo argumentar que - admitindo (para argumentar e somente para argumentar) a existência de uma "Inteligência Criadora" - que tenha criado um universo tão lógico, matemático e regido por leis tão "universais" (por falta de termo melhor), esse ser supremo fosse ficar transgredindo as mesmas leis que ele criou, só para extasiar os caipiras de um planetinha xinfrim, que orbita uma estrela vagabunda, na periferia de uma galáxia medíocre...
E a coisa se torna ainda mais grave quando se trata de ciência: esta tem por dever ser agnóstica. E aqueles que batem nos peitos e proclamam a "grandeza de seu Deus", ao mesmo tempo procuram reduzí-lo ao status de um hoteleiro que tudo criou e administra para agradar seus "hóspedes".
Pois eu fico cá com meus Orixás que dançam e cantam, e se apresentam com aspectos humanos para que possamos "nos entender" com eles, mas não ficam por aí a fora a "escrever livros sagrados", nem aceitam limites impostos por nossas mentes tacanhas.
Dixit.
João Carlos, há muita coisa no criacionismo que não faz sentido, mas eu vou evitar discuti-lo. Este post não era para discutir criacionismo, apenas para mostrar que a Academia pode ser hostil à ciência. Há algo que está a falhar ao nível do liceu se as pessoas chegam a letras e direito sem perceberem minimamente os fundamentos do método científico. Termos juristas criacionistas assusta-me particularmente.
De qualquer forma, e já que o Diego Vega disse que gostaria de ver "respostas" a alguns destes pontos, coloquei no cais de gaia um post sobre uma das mais fabulosas sequências de fósseis de transição que se conhecem: a das preguiças marinhas do Peru. Mas não se trata de um post sobre criacionismo, recuso-me a discutir isso. É um post sobre evolução. (Já agora, se alguém me arranjar imagens digitais dos crânios livres de direitos de autor agradeço).
Desculpem-me pela demora em participar, mas só agora estou logado ao blog.
Me parece que esta discussão criacionismo/evolucionismo fica igual a discussão do sexo dos anjos, sem que se pergunte antes se anjo tem sexo.
Partindo da idéia de que em cima de qualquer premissa se pode montar um raciocínio lógico, tudo é possível.
Maturana e Varela nos ensinaram à exaustão a questão da autopoieses como forma de organização do vivo, entenda-se por vivo toda e qualquer manifestação viva.
No meu blog postei um artigo drawinismo-x-criacionismo, onde essa questão aparece. É o papa trazendo a questão à luz da religião o criacionismo. Lá eu já faço antecipadamente o meu comentário.
Ana Claudia disse: “assim como estes negam a existência da evolução, tenho uma tendência a negar a existência de manifestações desta natureza...”. Concordo plenamente com isto, no ponto de vista que defende, contudo quando se trata de psicanálise, a coisa se complica. É que negação é um conceito em psicanálise, mas isto é outro assunto.
Freud queria que a psicanálise fosse considerada científica e escreveu o “Projeto para uma psicologia científica” entre 1887/1902 (o blog extavagancias trata deste assunto), mas nunca publicou, o que só aconteceu (1950) após a sua morte. O fato de ter abandonado o Projeto, não diminuiu a cientificidade da psicanálise, pelo contrário, ele trilhou um caminho mais logo para lidar com o sujeito e criar a psicanálise.
Lidar com o sujeito é lidar com o múltiplo no individual, com a subjetividade que faz parte da experiência. Aqui a experiência é subjetiva não se submete ao controle. É por isso que cito Maturana e Varela, pois a subjetividade é também uma manifestação viva.
Caio, nem eu pretendo discutir as teses criacionistas. Mas tenho observado - e é alarmante o crescimento dessa "onda" - que no próprio ambiente acadêmico, está a crescer uma onda de "anti-cientificismo". Não conheço a situação em Portugal, mas, no Brasil, a coisa anda feia. Nos EUA, pior ainda!...
Acabo de ler um livro sobre Richard Feynman (um anedotário sobre ele, que ele próprio endossa), onde encontrei diversos exemplos de "ranços" culturais que eu julgava coisa nova, e vejo que são mesmo "ranços" antigos. Vou selecionar alguns trechos desse livro (e agora me ocorreu - por associação de idéias - "ressucitar" algumas passagens de Monteiro Lobato) e tentar discutir os motivos da persistência desses "ranços".
Tens toda razão ao afirmar que «Há algo que está a falhar ao nível do liceu». E - diabos me levem, se eu não descobrir o que é...
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