11 agosto, 2007

O pensamento, um sextante

Em texto na revista piauí, Tom Zé escreveu sobre aprendizados importantes como amarrar os sapatos: "E foi aprendendo essas coisinhas que percebi que o ato de pensar seria uma maneira de eu me mover dentro do mundo. Um sextante."

Busquei aprender um pouco sobre formas alternativas - e quiçá mais produtivas - de equipar e calibrar esse sextante. O exemplo que me ocorreu foi a Escola da Ponte, em Portugal. A pesquisa atiçou minha curiosidade, leia no ciência e idéias.


41 comentários:

João Carlos disse...

Mas o Brasil é o Haiti e é a Suécia, já disse o João Carlos. Como pensar em projetos de ensino que atravessem os abismos que separam regiões e classes sociais neste país?

Com uma proposta como essa da Escola da Ponte, por exemplo! Se os educadores forem, respectivamente, "Haitianos" e "Suecos" (ou seja, se estiverem dentro da realidade das crianças a seu cargo), mais fácil ainda!

Com certeza se pode chegar a um "padrão comum" na formação dos educadores e aproveitar suas origens como um fator de reforço e não de distanciamento.

Eu tomo como exemplo uma professora (mulher de um colega de farda meu), oriunda do Vale do Paraíba, SP, que se vira em dez para ser professora de alfabetização em um CIEP no Rio de Janeiro. Ela anda perenemente às voltas com o novo "modismo" em matéria de educação infantil, lida com crianças de uma favela (chegou a adotar uma) e faz das tripas coração para preparar suas aulas (é comum encontrá-la de madrugada rodando apostilas em seu próprio mimeógrafo a álcool).

Com toda sua cultura (e não é pouca, afirmo sem favor algum), ainda se esforça para não falar "pobrema", com o "r" arrastado do interior paulista... E daí?... Se os alunos dela conseguirem raciocinar e resolver os "pobremas", que se dane a pronúncia correta! Afinal, no Brasil, ninguém fala português correto: todos falamos com um sotaque mestiço de negro e índio, até os "Imortais" da ABL.

O curioso é como o mundo dá voltas... Não era semelhante a esse o processo didático nas academias gregas?...

Maria Guimarães disse...

coitado do blogue que não tem a participação do joão carlos. salve!

tem razão, os gregos é que sabiam das coisas. a massificação acabou com o ensino. me pergunto se é possível, agora, voltar a essas raízes como é a proposta dessas poucas escolas. mantenho minha pergunta não respondida: por que elas são tão raras? falta qualificação dos professores? suponho que tenha que ser completamente diferente, que seja necessária uma nova escola de pedagogia. requer muito mais recursos de outro tipo?

será que a mudança tem que acontecer na surdina, como contou o pacheco na entrevista que citei (você leu? é muito boa)?

João Carlos disse...

Li e dela destaco as seguintes passagens:

O salário é fundamental e é uma questão de dignidade também. A pergunta tem que ser feita de outra maneira. É se o salário é a única coisa fundamental.

Como o senhor conseguiu manter o processo da Ponte escondido do Ministério da Educação por longos dez anos?
José Pacheco — Foi um milagre. Nem sei explicar. Foram dez anos de clandestinidade. E foi isso que nos salvou. Por isso tu agora podes entender porque eu não digo quais são as escolas brasileiras que mostram qualidade, porque se fosse antes, teríamos acabado, ou teriam acabado conosco.


Assino embaixo. Eu fui uma das "cobaias" da Henriette Amado no Colégio Estadual "André Maurois". Quando ela desbancou todos os "cursinhos de vestibular" com uma média de aprovação nos vestibulares de mais de 70%, em 1969/70, acabaram com a "farra" dela, rapidinho.

Ah!... sim... vou tomar a sua primeira frase como um elogio... :)

Shridhar Jayanthi disse...

Interessante a entrevista... E uma coisa bacana dela é sobre a tal da necessidade de se ensinar na "surdina".

O esquema existente com um MEC centralizador que define o que cada escola vai ensinar é ruim. Assim como um sistema de vestibulares que, na prática, cria um currículo padrão para o ensino médio e cria essa aberração educacional que é o cursinho.

Acho que uma flexibilização maior do currículo pode ser muito bem aproveitada por comunidades. Assim como o uso de vários fatores para a admissão em faculdades. Existe um excesso de positivismo na pedagogia que diz que existe uma forma única de se ensinar e de se aprender, de que existe um professor ideal e um aluno ideal. Isso é completamente falso, como pude ver nos posts deste último mês. Eu não sei se eu teria tido o mesmo desempenho se tivesse estudado numa escola como a da Ponte, eu preciso de uma estrutura pra aprender, eu acho, mas pelo visto isso funciona com alguns alunos!

Até mesmo o tal do "home-schooling" norte-americano mereceria seu espaço. Conheci algumas pesoas nos EUA que foram ensinadas em casa e a cultura destas pessoas não deixam nada a desejar!

João Carlos disse...

Shrindar:

Até mesmo o tal do "home-schooling" norte-americano mereceria seu espaço. Conheci algumas pesoas nos EUA que foram ensinadas em casa e a cultura destas pessoas não deixam nada a desejar!

Sabe que nem isso é novidade no Brasil? Meu (há muito, falecido) pai estudava em casa, com os irmãos mais velhos, e prestava, anualmente, os exames no Colégio Pedro II. E acabou se formando em Arquitetura...

Mas existe o velho rifão: "Para toda questão complexa, existe uma resposta simples, elegante e errada! Os estudantes brasileiros não mostram bom desempenho? Simples: aumente-se a carga horária...

Lucia Malla disse...

Acho q eu conheço uma escola "mais ou menos" assim em Minas... Os alunos são livres e interagem com os professores. Pelo menos na área de ciências, há a liberdade de experimentarem com o que quisessem e trazer os questionamentos que bem entenderem (de por que o céu é azul até de onde somos/para onde vamos), e a partir daí, da experiência realizada ou pelo menos discutida, vinha o conhecimento "formal". Era muito interessante, mas eu lembro que meus professores de didática e afins achavam muito "experimental" e não botavam fé.

Triste tbm essa academia q não vê com bons olhos a inovação. O português deu um bom exemplo fazendo, e isso é o mais interessante.

Maria Guimarães disse...

joão carlos, era um elogi-íssimo. admiro quem está sempre pronto (e apto) a discutir qualquer assunto!

shridhar, se você tivesse estudado na escola da ponte teria aprendido, logo de pequeno, a criar sua própria estrutura. faz parte do currículo deles, por assim dizer.

João Carlos disse...

Maria, muito obrigado!... (só toma cuidado com minha megalomania...)

Me ocorreu um detalhezinho: é mais ou menos assim que se procede (pelo menos, atualmente) com as turmas da pré-escola (foi o que eu observei com meu neto).

Juntando uma coisa com a outra...

Silvia Cléa disse...

Faz alguns anos que conheci a "experiência 'Da Ponte'", através de relatos de ex-professores meus que estão, atualmente, engajados na prolifereção de tal aplicação pedagógica nas bandas de cá (a tal 'revolução silenciosa' aque o Pacheco se referiu na entrevista citada pela Maria). Vi alguns vídeos e li alguns relatos tb.
Este ano, há alguns meses, conheci o Pacheco. Fui brindada com uma palestra em que ele relatou o, digamos, início da Escola Da Ponte.
Claro que me impossível relatar-lhes todos os aspectos, mas tentarei resumir alguns pontos essenciais:
* A escola estava cituada em uma zona extremamente pobre e abandonada, socialemnte falando. Isto implica em alunos violentos, como os que vemos e ouvimos falar por aqui: que agridem professores, têm baixíssimo aproveitamento pedagógico e respeito pessoal, familiar e social próximo ao zero!
A comparação que ele fez, foi a de uma escola em meio a uma favela na zona sul de São Paulo.
O que estou querendo dizer com isso? Que o início, embora muito (e bota muito nisso) dificultoso, era tb propício, pois as coisas já estavam péssimas e piores não poderiam ficar...(situação bastante semelhante, volta a falar, a de muitas escolas públicas brasileiras).
Outro aspecto que ele citou como fundamental foi o fato de ele próprio ter sido um menino pobre e portanto, saber da realidade dos lares de cada um dos alunos com quem convivia...isso, segungo ele, o ajudou muito no processo de valorização do amor próprio: peça fundamental em qualquer método pedagógico!
Esta palestra me foi muito esclarecedora, pois uma coisa é falar da escola-sucesso de agora, outra, bem diferente, é falar de sua construção, de seus primórdios! Foi inspiradora e mostrou que o trabalho e possível, mas árduo....talvez, por isso Maria que a experiência não seja tão sedutora assim, entendeu? Afinal, dá trabalho!
E são poucos os que aceitam esse tamanho desafio....

Maria Guimarães disse...

tem razão silvia, é um trabalho para poucos.

Kynismós! disse...

Sobre a escola Amorin Lima: "como a escola fica no Butantã, muitos de seus estudantes são filhos de professores da USP."

muito interessante essa informação.

Kynismós! disse...

No Brasil já existe algo na mesma linha há 34 anos, uma escola fundada pelo engenheiro químico Dalton Gonçalves (famoso pela sua coleção de livros "Física do Científico e do Vestibular") em Niterói: Aldeia Curumim. (página feita para abrir no IE)

As características comuns dessas duas escolas (a Amorim Lima e a Aldeia Curumim) é que uma tem muitos alunos filhos de professores da USP, fato inusitado professores colocando seus filhos em uma escola pública municipal, e a outra é privada, ou seja, boa parte dos alunos de ambas têm estrutura familiar (pelo menos econômica), e que são escolas de nível fundamental.

Sobre a escola de Portugal já procurei informações com professores portugueses, pois é bom que se diga o milagre e o nome do santo.

Só de imaginar algo assim para a escola onde ensino, e já tinha pensando desde o primeiro dia que lá pisei, penso em quantas pedradas levaria de muitos de meus colegas professores entre outros.

Maria Guimarães disse...

é, kynismós,
também fiquei curiosa em saber mais sobre a composição do corpo de alunos da amorim lima. quantos serão filhos de professores? quantos viverão na favela ali ao lado? se houver uma boa mistura desses dois grupos, e de outros, melhor ainda.
pois é, pelo que li - e a silvia completou - para levar adiante um projoto inovador é preciso sensibilidade pra sentir o caminho e carapaça dura pra agüentar muita pedrada...

João Carlos disse...

Ooopss!... Será que eu senti uma "pontinha de elitismo", aí?... :)

Olha gente, eu nunca fui professor, mas fui Oficial da Marinha. E uma das atribuições do Oficial é dar instrução (e não é só de "ordem-unida" e tiro e coisas próprias aos milicos - existe uma grande parte de instrução sobre civismo).

Os praças mais jovens são sempre os que demonstram mais interesse em ampliar seu espectro de conhecimentos (e, reconheço, os mais promissores acabam mudando de profissão - em Araruama encontrei um antigo "soldado-escrevente" que trabalhou comigo: era o Diretor de um Ginásio Estadual...)

A curiosidade e a vontade de aprender estão sempre lá... O meio social e as obsoletas práticas de ensino é que se encarregam de abafar essa chama e produzir conformistas que se contentam com um "nicho social" "confortável"...

Shridhar Jayanthi disse...

Sobre mim, eu acho que eu aprenderia o tal da criação da própria estrutura em detrimento de outras coisas que eu aprendi na época e que eu acho que foi bom aprender na época. Coisas como a tabuada ou aprender a ler, coisa que eu fiz com 4-5 anos e é a essa intimidade com os números de bem cedo que eu devo muitas de minhas características atuais.

Não é uma crítica à escola da Ponte, não me entendam mal. Como eu disse acima, tem espaço pra todo o tipo de ensino e cada tipo de ensino influência de uma maneira a personalidade do estudante e interage com o contexto da escola. É o famoso "cada um cada um e vice-versa".

João Carlos disse...

Shrindar:

Comigo também foi assim... Mas eu creio que, na tal Escola da Ponte, as crianças acabam se convencendo de que têm que aprender "coisas chatas", tais como "tabuadas" e "regras de concordância", para poderem entender os assuntos que despertaram seu interesse.

Pelo menos, comigo aconteceu assim... Eu aprendi inglês "na marra", porque queria ler Asimov, Heinlein e Clarke no original...

Lucia Malla disse...

Lembrando que os filhos de professores da USP podem estudar também de graça no Colégio de Aplicação deles, dentro do campus São Paulo, e q é uma das melhores escolas de ensino básico e médio públicas do Brasil.

Maria Guimarães disse...

shridhar,
se eu não disse é falha grave: na escola da ponte as crianças cumprem o currículo normal português. tenho certeza de que isso inclui a tabuada e outras coisas que a gente tem que decorar. a diferença é como isso é feito - de alguma forma suscitar interesse e iniciativa, em vez de simplesmente impor o conhecimento.

lucia, não sei se entendi o seu comentário. a escola de aplicação está, claro, cheia de filhos de professores. mas não tem vaga pra todos. e ela reserva também (era assim, pelo menos) vagas para a comunidade dos bairros próximos, que inclui famílias de baixa renda. a seleção é - se não mudou - por sorteio.

João Carlos disse...

Só para requentar um pouco a conversa. Matéria do The Guardian de hoje: Scarp this '19th-century' GCSEs, says expert. Uma crítica ácida aos "Vestibulares" da Grã-Bretanha, que começa com o seguinte parágrafo:

«Um dos maiores experts em exames e provas afirma que os GCSEs estão emperrados no século XIX, forçando os alunos a memorizar fatos que serão de pouca utilidade para sua vida futura.»

E isso não é no Piauí, não... É na Grã-Bretanha.

Kynismós! disse...

E daí?

Quem disse que esse expert está certo?

João, cuidado para não entrar na onda do emburrecimento global.

Eu particularmente não gostava do vestibular por que o achava fácil, hoje eu sou um defensor do mesmo, pois se não fossem o vestibular a situação estaria ainda pior. Por mim o grau de dificuldade dos vestibulares aumentariam, só assim se forçava uma melhora no ensino médio.

João Carlos disse...

Kinismós:

Quem disse que esse expert está certo?

Eu digo! Conhecimentos enciclopíedicos, enfiados a martelo na cabeça das crianças, não servem para coisa alguma!

Vestibular só serve para avaliar "quem é bom de passar em prova". E você parece contaminado pela noção, bem brasileira, de que só quem tem um diploma de Curso Superior vale alguma coisa.

Esse "emburrecimento" que você fala, assola tanto os analfabetos como os acadêmicos. Uns, por falta de conhecimentos; outros, por excesso de pedantismo. É só ver uma discussão ente um Peter Woit e um Luboš Motl, para ver do que eu estou falando...

Kynismós! disse...
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Kynismós! disse...
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Kynismós! disse...

Pois eu digo que ele não está certo, é mais um desses babacas que vão contribuir para a falência da educação se não no país dele em outro lugar do planeta.

O conhecimento reservado ao ensino fundamental e médio não tem nada de enciclopédico, é só uma pequena pincelada no conhecimento formal que a humanidade estruturou por vários séculos, é o básico do básico que alguém precisa saber para não ser um total ignorante.

Os vestibulares do ITA e do IME, por exemplo, não avaliam quem é bom em passar em provas, avaliam quem sabe muito bem das coisas.

Existe pessoas maus-caracteres em todo os meios, Isaac Newton foi um grandessíssimo mau-caráter, mas o que mais assola a universidade é o triunfo das nulidades, o percentual de gente realmente boa no meio acadêmico está muito baixo e até por carência de um pouco do tal conhecimento enciclopédico.

João Carlos disse...

Os vestibulares do ITA e do IME, por exemplo, não avaliam quem é bom em passar em provas, avaliam quem sabe muito bem das coisas.

Você deve estar brincando!... As questões de IME/ITA têm enunciados que, quando você acaba de ler, não se lembra mais do início, além de fornecer um monte de informações inúteis para a solução dos problemas...

E isso não é para separar "quem sabe passar em exame"???

Desculpe, amigo, mas eu já tive a honra de chefiar um Departamento com 5 engenheiros do IME e, volta e meia, eu tinha que tirá-los da estratosfera de seus conhecimentos (profundos, não nego) e trazê-los a questões mais mundanas, tais como as conveniências dos usuários das trapizongas que eles projetavam.

E, quando eu me refiro a "conhecimento enciclopédico", eu estou sendo literal: poucos desvairados (como yours truly) folheiam, ao sabor da aleatoriedade, uma enciclopédia, meramente pelo prazer de obter mais alguns conhecimentos abstrusos...

Kynismós! disse...

Não estou brincando mesmo, essas provas mostram quem realmente aprendeu a pensar e consegue ler algumas poucas linhas sem se perder pelo caminho.

Esses caras são a nata da engenharia nacional e conseguiram isso estudando muito desde crianças, e não ficaram traumatizados por isso, que dirá emburrecidos, muito pelo contrário.

Conhecimento formal e cultura geral não faz mal a ninguém, já o utilitarismo é um câncer.

Shridhar Jayanthi disse...

Bom João, acho que enunciados longos e dados descartáveis no enunciado servem para separar aqueles que decoraram e tentam encaixar uma questão na biblioteca decorada de questões daqueles que realmente entenderam o assunto. O maior problema do vestibular do ITA (e do IME), na minha opinião, é a ausência de outras matérias como geografia e história - alguns colegas meus de faculdade tinham um conhecimento extremamente limitado nessas áreas.

Se eu tenho uma grande crítica ao vestibular, é que ele é muito leniente com estudantes que desprezaram a educação durante a vida toda e resolvem "tomar jeito" no ano do vestibular. Não que seja errado perdoar um aluno que se corrija, mas não há incentivo durante a vida escolar para tirar mais do que a média para passar de ano. Pra mim é mais ou menos como se uma partida de futebol fosse de 90 minutos, mas só os gols nos 5 minutos finais contassem. Os 85 minutos iniciais seriam úteis para os times se estudarem e ensaiarem estratégias, mas ninguém vai levar nada a sério até os 5 minutos finais.

João Carlos disse...

kynismos e shrindar:

Bom... Se vocês são adeptos da "calistênica mental", não adianta ficar "batendo-boca"...

E vocês dois, sem querer, estão voltando ao ponto inicial de toda essa minha "lenga-lenga"... O problema está na falta de pré-escola, currículos de 1º e 2º graus que enchem de inutilidades a cabeça dos alunos, mas não ensinam a raciocinar.

E kynismós, não confunda "erudição", produto de boa memória, com "cultura", produto do bom raciocínio. "Cultura geral" não só é bom: é essencial. Mas - quer saber? - eu sei o que é o "Número de Avogadro" e conheço sua história, mas não faço a menor questão de decorar seu valor: quando eu precisar dele, eu consulto um livro... Aliás, minha "norma" é esta: saber onde procurar o dados necessários e saber a quem perguntar, se não achar. Via de regra, eu jamais procuro decorar dados que estão escritos. Alguns, como a fórmula da equação quadrática, a gente não esquece, de tanto que usa... Para os outros, existem sempre os handbooks, os vade mecum e os programinhas de computador.

Kynismós! disse...

João,

a erudição não exclui o bom raciocínio. Se o nosso sistema de ensino permite essa exclusão isso se deve a mediocridade das pessoas. É tão difícil ensinar as pessoas a pensarem, principalmente quando esse pensar não traz resultados imediatistas e parece ir na contramão da maioria.

Ok, pra mim que pego os alunos no ensino médio isso é terrível mesmo, pois eles já estão viciados em decorebas, daí a coisa precisar começar bem antes mesmo. Mas isso não exclui a cultura geral.

E você sabe bem o que, hoje em dia, enche de inutilidades a cabeça dos alunos. Quisera eu que eles enchessem as cabeças com as inutilidades dos livros.

Se estudar só o que aparentemente parece útil a primeira vista é algo bastante restritivo.

Shridhar Jayanthi disse...

João, o problema que eu vejo é que não tem como dissociar o ensino do Número de Avogadro do valor deste número. Não vou cobrar de você agora que saiba o que é isso, anos depois de ter saído da escola. Eu não lembro nem da velocidade da luz de cara, digito logo c no Google. Mas você sabe que existe isso, o que isso representa e consegue rapidamente reativar a memória sobre isso quando precisar, isso é o que é importante. E aí, saber onde achar o valor de uma constante, isso é erudição ou cultura?

Meu ponto é que se esforça bastante para separar a o raciocínio do conhecimento em todas as correntes pedagógicas. Mas isso significaria que ensinar matemática e ensinar história poderiam utilizar as mesmas técnicas o que é falso.

Eu concordo com você de que se deve ensinar a pensar, mas eu não entendo o que você chama de inutilidades. O problema pra mim é que ao invés de se estuturar o ensino de forma a incentivar o raciocínio, se passa uma decoreba. Mas eu não defendo a idéia de parar de se ensinar o número de Avogadro. Tem é que ensinar direito. Se você abolir o número de Avogadro, você está tirando uma abstração da vida do estudante, mais uma.

Dizer que erudição e cultura (nas suas definições) são coisas distintas é bonito no papel, mas me mostre uma pessoa que tem cultura sem um mínimo de erudição como suporte. Na época que você entendeu o número de avogadro, o valor fez muita diferença, acredite. Se o número de avogadro fosse da ordem de grandeza de centenas, ao invés de 10^23, você teria absorvido o conceito de forma muito diferente.

João Carlos disse...

Eu quero pedir, publicamente, minhas envergonhadas desculpas a Shridhar, por insistir em escrever errado o nome dele. Eu sei o quanto isso é desagradável (experimentei na pele, com os Paraguaios me chamando de "Cuna", em lugar de "Cunha", e com a mania dos matogrossenses de pronunciarem meu nome como "Jão"). Mais ainda que o nome "Shridhar" deve ter um significado e a mudança de grafia pode até tornar isso um insulto. Certamente, não foi essa a intenção.

João Carlos disse...

E respondendo ao Shridhar:

(...) mas eu não entendo o que você chama de inutilidades.

Fórmulas, datas, nomes completos de personagens históricos, as classificações (sempre mutantes) dos adjuntos adeverbiais, valências de radicais químicos, coisas assim, inclusive o valor do número de Avogadro. Em suma, é minha opinião (portanto, discutível... eu me reservo o direito de mudar de opinião quando devidamente convencido) que todas as "provas" deveriam ser feitas com direito a consulta.

E não estou advogando em causa própria: minha memória só está começando a me pregar peças atualmente (indício claro de senilidade). Mas eu ainda sou capaz de perceber que minha senha de cartão bancário é coincidente com os quatro números do antigo telefone de minha falecida avó...

Shridhar Jayanthi disse...

Haha, o negócio do nome, como eu tinha dito, é besteira. Digo, eu só estava comentando, mas eu não ligo não, hehe.

Sobre o conhecimento inútil, eu vou tentar fazer um post mais longo em cima do ponto que eu estou a defender aqui... mas está difícil de arranjar um tempinho ultimamente ;-)

Kynismós! disse...

Mais coisas perigosas em educação:
A Pedagogia da Avestruz

João Carlos disse...

Kinismós:

É mais um que sofreu com os errados conceitos formulados por A. S. Neil em sua experiência de "Summerhill".

Toda esta baboseira tem como axioma que o estudante quer aprender. Posso até conceder que sim... Mas falta-lhe o discernimento sobre o que aprender e como fazê-lo.

Porém, nada disso invalida o que eu afirmo: os currículos continuam mal estruturados, ensinando inutilidades, formando "fazedores de provas" e - já "partindo para a ignorância" - para dar emprego a professores.

É urgente destruir o mito de que quem não tem um grau universitário é um fracassado. Já há portadores de "depromas" universitários demais, vendendo sanduíche nas praias e um nunca-acabar de "Universidades de Giz e Apagador".

E os "avestruzes" podem ser encontrados, também, entre os que acham que basta enfiar uma criança em uma ponta do sistema de ensino que ela vai sair, como um artigo de linha-de-montagem, pronta para uso, na outra. Se vamos usar essa mentalidade de "produção industrial", pelo menos há que aumentar o "Controle de Qualidade". Mas os basbaques se importam apenas com números frios.

Hoje mesmo o Times de Londres está publicando uma matéria onde se revela que o desempenho dos estudantes britânicos, no nível fundamental, está muito abaixo do desejável. Para mim, isso mostra que o povo britânico mudou, mas o sistema de ensino não foi capaz de acompanhar essa mudança.

O velho MacLuhan já alertava que as velhas estruturas do início do século XX não iriam resistir ao imenso fluxo de informação que se anunciava em meados do século. Como era de se esperar, a maior parte dessa "informação" é "ruído", "lixo" apresentado de forma atraente, enquanto o ensino formal continua em sua forma vetusta e insípida ("uma sensaboria relamboria", diria Monteiro Lobato).

O desafio está aí. A "Comunicação de Massa" está vendendo tudo, impingindo paradigmas inatingíveis para a maioria, inclusive em termos de educação e os educadores continuam caindo na esparrela de aceitar esses "paradigmas" como verdadeiros, e teimam em querer que as carroças tiradas por cavalos tenham o mesmo desempenho de um fórmula-1. Parecem Samurais querendo combater os campônios armados de fuzis com suas katanas, atendendo a um Bushido superado.

Você, por exemplo, tem que enfiar na cabeça de seus alunos a física, enquanto eles trocam "torpedos" pelos celulares e ansiam pelo final da aula para correr para o "ciber-cafe" mais próximo e jogar o RPG da moda... Não se sente meio como o Samurai que eu citei acima?...

Anônimo disse...

Como não há uma página para contato, portanto escreverei aqui mesmo.

Estou indicando este blog paa o BlogDay 2007. ok?

Kynismós! disse...

João, os meus raros alunos (de uma escola em um morro na periferia do Recife) que estudam se darão bem nada vida, os restantes (os dos torpedos, do cibercafé, etc.) serão apenas bucha de canhão.

Será que é preciso ficar repetindo que não devemos aceitar o lixo que o mercado quer nos impor?

Será que é preciso ficar repetindo que o processo biológico do aprendizado não foi, não é e nem será mudado pela tecnologia (a menos que se enfie um chip na cabeça da molecada)?

Você andou lendo alguma bibliografia específica sobre o assunto ou essas idéias são frutos naturais de sua mente?

João Carlos disse...

kinismós: (Uma por uma)

os meus raros alunos (de uma escola em um morro na periferia do Recife) que estudam se darão bem nada vida, os restantes (os dos torpedos, do cibercafé, etc.) serão apenas bucha de canhão.

Concordo. Mas as futuras "buchas-de-canhão" poderiam ter outra sorte, se tivessem sido estimulados a aprender, antes de chegarem a suas aulas. Quando chegam aí, já não têm mais "salvação".

Será que é preciso ficar repetindo que não devemos aceitar o lixo que o mercado quer nos impor?

É preciso, sim. Porque a esmagadora maioria não tem a opção, nem o discernimento necessário.

Será que é preciso ficar repetindo que o processo biológico do aprendizado não foi, não é e nem será mudado pela tecnologia (a menos que se enfie um chip na cabeça da molecada)?

Aí, estamos nos desentendendo por falta de comunicação. Você fala em "processo biológico de aprendizado", eu falo em "técnicas de ensino". O processo biológico (até o que se sabe, atualmente) é algo imprevisível - o tal chip poderia ser uma boa... :) Já as técnicas de ensino podem ser totalmente revolucionadas com o emprego de tecnologia. Só como ponto de reflexão: a propaganda estuda, pelo menos desde a década de 1950, maneiras de atrair a atenção de potenciais consumidores para empurrar suas quinquilharias. Já as técnicas de ensino, ou não acompanharam o passo, ou, simplesmente, não tomaram conhecimento desses estudos. (Concedo que, para o capital, interessa muito mais a aquisição de novos consumidores do que pessoas suficientemente esclarecidas).

Você andou lendo alguma bibliografia específica sobre o assunto ou essas idéias são frutos naturais de sua mente?

Um pouco de cada um... Quando eu era estudante, sentia que faltava algo no sistema de ensino. Leituras, eu tenho muitas (sempre fui um leitor ávido) o que talvez seja até um defeito... "Específicas sobre o assunto", não. Talvez a coisa mais próxima do assunto que eu tenha lido, recentemente, seja o livro do Bruno Bettelheim, sobre o "generation gap". E, na tenra juventude, muito Vance Packard e muito MacLuhan.

Silvia Cléa disse...

Oi, Norberto!

Valeu super a indicação neste Blog Day 2007....estou sensibilizada e garanto que os demais companheiros de Roda tb! Claro que a propaganda sempre é o melhor atrativo para mais leitores assíduos...super-obrigada!
Adorei tb as demais dicas, principalmente os origamis: o que é aquilo!? Que mãos!!!!!
Parabéns pelo blog!
Mantenha-se sempre em contacto. ;0))

João Carlos disse...

@ kynismós:

Acrescentando a minha última resposta:

«Não temerás ser excêntrico em tuas opiniões pois toda e qualquer opinião hoje aceita já foi outrora excêntrica.»

Reconhece?...

Kynismós! disse...

Se reconheço. Muito pelo contrário, não estais sendo excêntrico, a maior parte das pessoas entendidas em educação dizem o mesmo, só que a educação só piora, e no meio de tudo isso quem vai ter algum futuro são aqueles poucos alunos disciplinados (mesmo com sua rebeldia) de sempre que estudam com afinco o que para alguns parece não ter valor.